envelhecer tem gosto de abacaxi
sobre as formas sorrateiras como a idade vai dando as caras.
Tenho um convite para você no final desta edição. Não perca a surpresa!
Envelhecer é um dos fatos mais previsíveis da existência. A cada ano, a cada dia, a cada segundo, eis que ficamos mais velhos. Mas não deixam de surpreender os momentos em que a passagem do tempo se torna mais sensível. No meu caso, envelhecer tem gosto de abacaxi, devido à frequência vergonhosa que tenho recorrido ao Estomazil efervescente saborizado.
[Sendo bem honesto com você, estou com trinta e cinco anos e não tão velho assim, ao menos não ao ponto de o Criador me convidar para um tête-à-tête. Então, se não velho, bastante gasto. Sinto-me um chinelo com a tira dos dedos presa por um grampo: ainda funcional, mas longe dos melhores dias.]
A princípio, a idade se manifesta de um jeito sadio, podando os excessos, obrigando-nos a superar a fase de drogas e rock-and-roll. Afinal, ninguém pode viver como Keith Richards para sempre a não ser que seja o próprio Keith Richards. Depois, aos poucos, o envelhecer se entranha numa dorzinha sem-vergonha, numas teimosias inexplicáveis e no desejo de prestar concurso público.
Até meus vinte e cinco anos, virava a noite caminhando pela cidade ao voltar das festas porque estava muito bêbado para dormir. Cheguei a passar quarenta e oito horas acordado, trabalhando e tudo nesse meio-tempo. Hoje, se não durmo oito horas à noite, o dia acaba para mim antes mesmo de começar.
Naquela época, sempre que minha família se encontrava num rodízio de pizza, num buffet livre, o que fosse, minha mãe e as irmãs dela dropavam uma cartelinha de antiácido antes da refeição, passando-a de mão em mão por baixo da mesa, como se compartilhassem doce na balada. Achava isso engraçado até então; agora a piada sou eu, escravo cardíaco da genética, que não herdei terrenos, mas, em vez disso, joelhos ruins, um sopro no coração e um estômago irritável.
Comer tem sido uma roleta-russa de uns anos para cá. Nunca sei o que vai apenas satisfazer a vontade ou me dar uma noite de Gregor Samsa. Na semana passada, por exemplo, comprei um pote de sorvete de 1,5 litro porque precisava mais do pote que do sorvete, sabendo que teria de devorar o troço todo sozinho. Na primeira servida já senti um quentinho no coração, e não era felicidade. Foram quatro dias de azia — cada sobremesa era um memento mori. Pelo menos não joguei comida fora.
O lado bom de envelhecer é que a idade nos obriga a encontrar a beleza no aqui e no agora, mesmo em dias nada perfeitos. Até porque, se formos procurar a beleza longe demais, não sobrará tempo de voltarmos para a cama até às dez da noite e acordaremos com dor na manhã seguinte.
Já o pior lado de envelhecer é notar as pessoas que vieram antes de nós ficaram ainda mais velhas. Nada nos prepara para vermos nossos pais e avós encolhidos pelo tempo. Definitivamente, nada me preparou para isso, porque perdi meu pai e meus quatro avós até os dezoito anos. A mãe é tudo que me restou.
[Se isto fosse um Arquivo Confidencial do Faustão, este seria o momento em que a música alegre se tornaria dramática.]
Assisto ao envelhecimento de minha mãe sem saber como reagir. Na primeira vez que ela caiu na rua, senti um gosto na alma mais azedo que o do abacaxi ao ouvir a notícia. Pressentia que, a partir daquele instante, tudo seria mais difícil. Precisei me acostumar a andar lento ao lado dela, a evitar escadas, mas não consigo acompanhar os problemas de saúde que vão se acumulando, talvez pelo receio do que eles possam implicar.
Neste mês foi o aniversário de sessenta e oito anos de Dona Lúcia. Ninguém dirá que ela não é uma jovem senhora bastante vivaz. Aí está o grande absurdo de envelhecer: o corpo trai o afã de viver. Só espero que minha mãe tenha muito Estomazil na manga, que saiba alongar o xadrez da existência, porque não estou preparado para perdê-la.
Bem, este é o ponto em que o texto acaba sem qualquer lição ou resolução. Envelhecer é algo que não se resolve e a vida em si é um abacaxi que descascamos até não podermos mais.
Agora é sua vez: qual é o momento “Estomazil de abacaxi” que você teve em relação à idade?
aniversário de três anos
Falando em idade, a Newslenta completou três anos. Agradeço às mais de 500 pessoas que me acompanham nessa jornada cheia de baixos e mais baixos ainda. Graças a vocês descobri uma enorme paixão por escrever histórias curtas e tenho encontrado alguma motivação para produzir literatura.
Relembre os textos mais curtidos da Newslenta:
receita de beijo grego
Para comemorar este aniversário, aqui está uma receita que todo mundo adora! Fazer beijo grego é fácil e delicioso. Você vai precisar de:
1 lata de leite condensado (395 g)
1 xícara de chá de coco seco ralado
⅓ de xícara de chá de iogurte grego
1 colher de sopa de manteiga
cravos-da-índia
mais manteiga para untar as mãos
Coloque o leite condensado, o iogurte, a manteiga e metade do coco ralado numa panela pequena, em fogo baixo, e mexa por cerca de 20 minutos após a manteiga derreter (até o fundo da panela ficar visível). Espere a massa esfriar, unte as mãos e faça bolinhas, passando-as no restante do coco ralado. Espete os cravos e pronto!
Fez beijo grego em casa? Mande uma foto para compartilharmos em nossos perfis.
playlícia só delas
Embarque numa viagem pelo mundo com estes cinco discos de artistas mulheres que me encantaram recentemente. 🎵
Sueli Costa — Sueli Costa (1975). Destaque: Dentro de Mim Mora um Anjo.
Yamakazi Hako — Yamakazi Hako Best Collection (2008). Destaque: Sasurai.
Caroline Shaw — Rectangles and Circumstance (2024). Destaque: And So.
Mabe Fratti — Sentir Que No Sabes (2024). Destaque: Oídos.
Meshell Ndegeocello — No More Water: The Gospel of James Baldwin (2024). Este é o álbum mais importante do ano. Destaque para o discurso em Tsunami Rising.
vi por aí
“Filmes de ficção científica são, na verdade, documentários”, escreve
.O
fez uma leitura muito interessante sobre Socorro Acioli e a ciência da religião.Já a minha leitura da vez é Cães, da Júlia Grilo. É impressionante o que ela escreveu aos 19 anos!
Rebel Ridge (Netflix) é um filmaço de ação com neurônios. Olho no diretor e roteirista Jeremy Saulnier! Ele tem outras duas pedradas: Blue Ruin e Green Room. Este último é um terror muito mais relevante e moderno que Longlegs, que achei meia-boca.
bora para a Flip?
Finalmente o convite! Entre os dias 9 e 13 de outubro ocorrerá a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, no Rio de Janeiro. Se você estiver por lá, passe para ver eu e meu livro na Casa Gueto. Ficarei muito feliz de pelo menos darmos um abraço.
Você também pode apoiar este pobre escritor comprando diretamente comigo meu livro Acende uma fogueira para a longa noite. Por R$ 59,00, envio o exemplar com dedicatória para qualquer canto do Brasil.
Além disso, se estiver tão ruim de grana quanto eu, vem aí uma promoção amiga. De 9 a 13 de outubro, meu romance Passagem para lugar nenhum estará de graça na Amazon em versão digital. Aproveite!
Chegou aqui nem sabe como? Deixe uma curtida para guardar a Newslenta no seu coração.
Um abraço do Chris
Nada me preparou para o dia que encontrei uns cílios brancos nos olhos de meu pai. Só sorri e dei um beijinho em cada olho. Não era na barba, no cabelo, na orelha: cílios é outro nível de envelhecimento.
Eu acabei de chegar na casa dos 30, mas já vejo meus olhos cada vez com mais linhas e minha pele com mais pintinhas que o convencional. As dores nos joelhos, essa sim herança familiar, já me renderam boas crises dramáticas. "Esse não era o joelho que eu tinha há 5 anos, por que ele está me abandonando tão cedo? Oh céus, oh azar...". Resultado: fui fazer fortalecimento... vai ver eu que não tava cuidando muito bem dele mesmo.
Sempre fui de dormir cedo, umas 21h no máximo, mas agora ando dormindo 20h, 19:30h e levando até 5h da manhã. Acordo sem despertador, vou pra janela e fico olhando o movimento da rua, os passarinhos, tal qual uma velhinha.
Adeus, Juventude.