lambendo quadros no museu
Descubra o elo secreto entre Frank Aguiar, Hieronymus Bosch e a Roma Antiga.
Muito antes do Instagram, as pessoas eram obrigadas a pintar para mostrar aos outros o que estavam comendo. Esses quadros eram chamados “natureza-morta” ou, melhor, “natureza imóvel”.
Mas nem a arte nem a tecnologia resolveram um problema fundamental: a única forma de conhecer uma comida é comendo.
Até existem propostas, como a da exibição Smell the Art: Fleeting–Scents in Colour, de representar os odores do que se vê nas pinturas. Isso é relativamente fácil com cenas urbanas, já que qualquer cidade europeia do século 17 era basicamente um esgoto a céu aberto. Entretanto, é muito mais difícil com naturezas imóveis. Os meios de produção alimentar e a seleção genética mudaram tanto que não temos mais referência de como eram certos alimentos naquela época.
Por exemplo, quando Walter de Afogados e Fernando Alves compuseram a música Sonho dos Sonhos, em 1987, e que depois faria enorme sucesso como Morango do Nordeste, eles não tinham a mesma ideia da fruta que Sébastien Stoskopff possuía ao pintar a obra Bacia de morangos, por volta de 1620.
O morango que compramos hoje (Fragaria × ananassa) só foi existir no século 18. Por volta de 1750, os franceses combinaram duas espécies selvagens das Américas, F. virginiana e F. chiloensis, para gerar um fruto maior, mais resistente e com um sabor lembrando o do abacaxi, ou ananás, daí o ananassa do nome.
Para saber como eram as variedades comidas na Europa antes disso, veja os morangos de Stoskopff ou de Hieronymus Bosch, quando este pintou O Jardim das Delícias Terrenas, lá em 1500. Mas qual seria o sabor desses frutos pitorescos?
Lamber quadros no museu certamente não responderá a essa questão. O máximo que você sentirá é o gosto de tinta a óleo, verniz e poeira. A boa notícia é que, no caso dos morangos, ainda é possível encontrar as espécies do tempo de Bosch e Stoskopff em alguma floresta, jardim ou pequena feira da Europa. Quem procurar bem, talvez consiga fazer essa viagem no tempo pelo paladar.
A receita mais antiga de que temos notícia é de 1730 a.C. Porém, esse Tudo Gostoso mesopotâmico era bastante vago. Foi somente no Império Romano que os registros ficaram mais completos. Tanto que é dessa época o livro de receitas De re coquinaria, atribuído a Marcus Gavius Apicius (25 a.C. a 37 d.C.), incluindo quitutes como entrada de abóboras, almôndegas de pavão e vinho condimentado.
Embora não haja menção a morangos na obra, os romanos daquele tempo comiam a fruta. Ela aparece nos textos de pelo menos dois contemporâneos de Apício, os poetas Virgílio e Ovídio.
Já os demais ingredientes, as quantidades e os métodos de preparo estão lá em De re coquinaria. Ainda assim, jamais provaremos os mesmos pratos. Se fôssemos cozinhá-los hoje, esbarraríamos na questão filosófica da eterna fluidez de Heráclito, ou até mesmo borgeana do conto Pierre Menard, Autor do Quixote: podemos reproduzir a forma, não a essência. Novamente, as mudanças no cultivo e na produção dos alimentos são responsáveis por isso.
Aí está, possivelmente, a maior lição do passado. Ele oferece, se muito, referências e pistas. Fórmulas garantidas de sucesso? Jamais! Quando se trata de encontrar soluções concretas, de pôr um bom prato à mesa, o presente que se vire.
Poucas coisas nos conectam de fato aos nossos antepassados mais distantes. Até as ações primordiais — comer, dormir, foder — mudaram radicalmente. Dormir, por exemplo, era outra história antes da iluminação pública e da lâmpada elétrica.
Isso sempre me desperta a curiosidade: como as pessoas sentiam essas mesmas ações?
E você, tem alguma curiosidade sobre os hábitos do passado?
playlícia
Na década de 1970 surgiram boa parte dos clássicos inescapáveis da música brasileira, como Transa, Clube da Esquina, Fa-Tal, Acabou Chorare etc.
Mas ainda há pérolas pouco ouvidas desses anos, um lado B que faria parte dos maiores sucessos de qualquer outra época.
Então, aqui estão 10 discos dos anos 1970 para conhecer:
Ednardo — O Romance do Pavão Mysterioso (1974)
Cátia de França — Vinte Palavras ao Redor do Sol (1978)
Olivia — Corra o Risco (1978)
Egberto Gismonti — Corações Futuristas (1976)
Arnaud Rodrigues — Murituri (1974)
Vanusa — Vanusa (1974)
Sivuca e Rosinha de Valença — Sivuca e Rosinha de Valença (1977)
Jards Macalé — Jards Macalé (1972)
Som Imaginário — Matança do Porco (1973)
Zé Rodrix e a Agência de Mágicos — Quem Sabe Sabe Quem Não Sabe Não Precisa Saber (1974)
A artista mais famosa dessa lista tem meros 139.000 ouvintes por mês no Spotify. A menos conhecida está abaixo de 1.500.
vi por aí
O texto desta edição foi inspirado pelo livro Comida e cozinha: Ciência e cultura da culinária, de Harold McGee. A leitura dessa obra tem transformado meu entendimento sobre os alimentos e o ato de cozinhar. Para quem se interessa pela ciência culinária e pelo porquê das receitas, aqui está um clássico do gênero.
No inverno de 1609, Galileu Galilei saiu para comprar laranjas, lentilhas e grão-de-bico. Até aí, tudo normal. Mas os demais itens dessa famosa lista de compras mudaram os rumos da humanidade.
Curso gratuito para escritores: fiz o curso virtual de Escrita criativa: técnicas e práticas, da PUCRS, e o recomendo imensamente. Ele é ministrado por Luiz Antonio de Assis Brasil, que ganhou tudo que é prêmio literário e ensinou uma galera de peso nos meandros da ficção desde 1985. Para aprofundar, vale a leitura de Escrever ficção: Um manual de criação literária, com mais detalhes e fartos exemplos sobre a construção de personagens, conflitos, enredo e estrutura.
Você ainda vai escrever melhor, provavelmente. Isso é o que diz a pesquisa When does cognitive functioning peak? Em português: Quando o funcionamento cognitivo chega ao auge? Ela aponta que diferentes funções do cérebro melhoram e pioram ao longo da vida, em momentos distintos, e aquelas associadas à escrita, como vocabulário, informação e compreensão, só atingem o ápice perto dos 50 anos. Então, dê tempo ao tempo.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris
Ah, se eu pudesse acionar minha memória ancestral. Pro bem e pro mal.
Um novo FOMO desbloqueado aqui: a noção de não se experimentar as sensações do passado.
Adorei, como sempre! E não fiz o curso Escrita criativa, mas li o livro e é, disparado, o melhor que já li do tipo.