nepo babies: filhos à sombra dos pais
o que a filha da Xuxa, o Chico Buarque e o maior compositor da era barroca têm em comum?
A profissão mais desejada da atualidade é ser herdeiro. Mas acredito que poucos aproveitariam essa condição para viver em dolce far niente. Se tivéssemos os meios e os atalhos, nos dedicaríamos a qualquer projeto que nos desse prazer. Faríamos arte sem preocupação alguma.
Por sinal, um segmento de herdeiros em alta são os nepo babies. O conceito de “nepo baby” refere-se a celebridades que são filhos ou filhas de alguém famoso. A Sasha, cujo cargo principal é ser filha da Xuxa, colocou o termo em evidência nos últimos dias ao reconhecer a esfera de privilégio em que nasceu.
Desde que a New York Magazine publicou em 2022 uma edição sobre o “Ano do Nepo Baby”, o termo ganhou um ar moderno. Entretanto, essa história é mais velha que tossir para disfarçar o peido.
raízes do nepotismo
“Nepo baby” vem da expressão “nepotism baby”. Ou seja, bebê do nepotismo. A palavra “nepotismo”, por sua vez, significa o favorecimento de familiares ou amigos na atribuição de cargos ou privilégios.
Etimologicamente, “nepotismo” vem da palavra latina “nepos”. Isto é, sobrinho. Isso porque o sobrinhismo foi institucionalizado pela Igreja Católica medieval, quando papas e bispos favoreciam os sobrinhos, já que não podiam ter filhos.
Assim surgiu um nome para aquilo que as pessoas chamavam apenas de “costume”. O pensamento de clã foi uma constante na história da humanidade. O nepotismo surgiu de uma necessidade de preservação e enraizou-se. Nas artes, pelo menos, até rendeu alguns bons frutos.
ser ou não ser nepo baby
O termo tem um perceptível cunho pejorativo. Um nepo baby é alguém que está à sombra de seus pais — no bom e no mau sentido. Enquanto recebe toda a proteção que o dinheiro e a fama proporcionam, parece alguém menor em comparação.
Contudo, jamais chamaríamos o grande cineasta Jean Renoir de nepo baby por ter sido filho do pintor Pierre-Auguste Renoir, se ambos se destacaram em suas respectivas artes. Muito menos diríamos isso de Frida Kahlo, que superou o pai Guillermo Kahlo, conhecido pela fotografia.
Mesmo Chico Buarque, cuja mãe é da família de um antigo presidente do estado de Minas Gerais e o pai é Sérgio Buarque de Hollanda, não podemos considerar nepo baby. Ele não só provou o valor dele por si, fazendo valer seus privilégios, como está bem longe de ser baby agora aos 80 anos de idade.
Então, o problema não está tanto no favoritismo recebido, mas em não conseguir desenvolver um brilho próprio.
a fábrica de nepo babies
Não nos importamos com o nepotismo cultural desde que seja bom. Hollywood, a fábrica de nepo babies, prova isso.
Em 1932, o Oscar de melhor filme foi para “Grande Hotel”. A obra era estrelada, entre outras grandes figuras da época, por Lionel Barrymore. Ele era o mais velho dos três filhos de Georgina e Maurice, todos atores na família. O caçula, John, teve mais filhos ligados ao cinema, assim como seus netos, incluindo uma tal Drew Barrymore, que aos 6 anos de idade encantou no filme de maior bilheteria da década de 1980: E.T. O Extraterrestre.
Henry Fonda foi um dos maiores astros da história de Hollywood. Mas os filhos dele, Peter e Jane, nos legaram filmes excelentes. Jane, inclusive, tem mais Oscars de atuação que o pai.
Kirk Douglas passou, também honrosamente, o bastão para Michael Douglas.
Sophia Coppola conseguiu destacar-se com o próprio trabalho, apesar de ser filha do inigualável Francis Ford Coppola.
Mais ainda, Liza Minnelli soube ser uma estrela sem ser eclipsada pelos pais, Vincente Minnelli e Judy Garland, duas figuraças do cinema estadunidense.
Outros exemplos existem por aí. A nova geração de nepo babies de Hollywood inclui nomes em ascensão como Maya Hawke (Stranger Things) e Jack Quaid (The Boys), mas esses ainda precisam comer muito arroz e feijão.
nascidos em berço esplêndido
O cinema brasileiro tem muitos causos do tipo para contar. Por exemplo, Luisa Arraes é estrela em Grande Sertão, a recente adaptação da obra de Guimarães Rosa para a telona. A atriz, não por acaso, é filha do diretor Guel Arraes, que é filho do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que descende de um antigo presidente da província pernambucana nos tempos do Império.
Por sinal, toda família de grandes políticos, empresários e banqueiros deveria formar pelo menos um grande artista. Walter Salles que o diga. É um imposto razoável pelo tanto que tiram dos brasileiros.
Agora, cá entre nós, meu berço de ouro favorito no Brasil é a Fernanda Torres. Isso quer dizer muito num país de Velosos, Gilbertos e Gils.
outras artes, outra história
Os nepo babies do cinema e da música têm a vantagem de que seus pais podem acumular fortunas para bancar os sonhos dos filhos. Já na literatura…
Escritores costumam fazer sucesso apenas quando morrem. Esse é um grande repelente para os filhos, que procuram alguma profissão mais bem remunerada.
Não à toa, lembro-me de poucas famílias de escritores. Na literatura internacional, Alexandre Dumas Filho chegou perto de superar o pai, mas ficou no quase. Modernamente, Joe Hill tem escrito uma carreira interessante para si, à parte de ser filho de Stephen King.
Aqui no Brasil, o leitor Pedro Rabello cita o maior exemplo nacional: Érico e Luis Fernando Veríssimo, ambos populares.
Muitos escritores que conheço são ovelhas negras da família. Eu sou assim, filho de dois funcionários públicos. Meu avô até esboçava alguma escrita memorialista, minha mãe diz que ganhou um concurso de redação quando criança, mas a produção e a apreciação artística não tinham muito espaço em casa. Vivíamos a vida do brasileiro comum: muito trabalho durante a semana, churrasco e cerveja nas horas vagas.
Meu pai teve uma influência maior em mim por causa da música. Ele adorava Dorival Caymmi e música erudita. Dele herdei os ouvidos para essas coisas, do costume absorvido nas férias que passava com ele após o divórcio. Escrever é que tirei do vento.
nepotismo e memória
Falando em música erudita, há um caso peculiar que inspirou esta newsletter.
Você provavelmente já ouviu o compositor Johann Sebastian Bach (1685–1750), o maior nome da era barroca. Figuras como Mozart e Beethoven reconheceram o gênio dele.
No entanto, pouco se fala de que Johann Sebastian era um nepo baby. Ele já estava na terceira geração de músicos na família. A árvore genealógica dos Bach é mais frondosa que um ipê e alguns dos familiares foram compositores prolíficos. Nenhum como nosso Johannzinho, é claro.
O homem deixou mais de mil composições. E, quando não estava compondo, estava fazendo filhos. Foram ao menos 20 crianças a mais para a linhagem bachiana. Dessas, quatro tiveram sucesso na música:
Wilhelm Friedemann Bach (1710–1784)
Carl Philipp Emanuel Bach (1714–1788)
Johann Christoph Friedrich Bach (1732–1795)
Johann Christian Bach (1735–1782)
Esses quatro filhos foram grandes compositores à sua maneira e serviram as cortes europeias da época. Meu preferido é Johann Christian, não só por ser meu xará, mas por obras como a Op.17 e as sinfonias.
O curioso dessa história é que Johann Sebastian não foi, no tempo dele, o fenômeno que é hoje. Ele era reconhecido como um hábil organista e pouco mais que isso. O “Bach” como o conhecemos, que superou dezenas de outros Bach também compositores, deve-se ao esforço dos seus filhos famosos. Um nepotismo reverso.
Foi principalmente pelo empenho de Carl Philipp Emanuel que o trabalho do pai foi preservado. Assim, as obras de Johann Sebastian chegaram a Viena, inspirando Mozart. Assim, elas alcançaram Mendelssohn, que impulsionou no século 19 um renascimento do autor dos Concertos de Brandenburgo.
Esse é um lado positivo dos nepo babies. Eles podem sair da sombra de seus pais, ter uma luz própria e ainda iluminar a raiz de onde vieram.
Como canta Chico Buarque em Paratodos:
“O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano”
P.s.: não sou nepo baby, mas deixo minha singela homenagem e gratidão a meu pai por me fazer gostar de música erudita enquanto ele ouvia o programa Quem tem medo de música clássica? na TV Senado.
Quais são seus nepo babies favoritos? Lembra-se de algum exemplo marcante na música, no cinema, na literatura ou em outras áreas?
utilidade pública
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Gonzaguinha (Luiz Gonzaga) Diogo Nogueira ( João Nogueira) Bibi Ferreira (Procópio Ferreira)
Bruno Rezende do vôlei (Vera Mossa), Carol Solberg (Izabel ), Angelina Jolie ( Jon Voight)… a lista é longa
Fernanda Torres também é minha nepo baby predileta. Como é maravilhosa, meu Deus! Na literatura, Luís Fernando Veríssimo.