como se tornar robô e ganhar dinheiro dando seu pior
ou: como parei de me importar e comecei a amar a inteligência artificial
Na primeira vez que usei o ChatGPT, quase não consegui dormir aquela noite. Quando enfim colei as pestanas, sonhei que estava desempregado, morando debaixo do viaduto e mendigando landing page para escrever.
Sabia que, em breve, não haveria mais mercado para mim nem para a profissão de redator. Não porque a inteligência artificial escrevesse melhor, mas porque era mais barata — isso é tudo que importa.
Sim, logo ficaria sem emprego, mesmo tendo um portfólio invejável. Meu nome é especialmente conhecido na moda. Quando as marcas precisam de alguém para escrever a copy de uma estampa de camiseta, sabe quem elas chamam? Eu!
Você já deve ter visto meu trabalho por aí em clássicos como “IBIZA VIBES 1986” ou “CALIFORNIA SUMMER OF 93’”. Mas meu maior sucesso, sem dúvida, é “FÉ”.
O fato é que ser humano está obsoleto. Virou bolor, como temia Arnaldo Antunes. Existe apenas uma solução para a humanidade: ou se tornar robô, ou sair no tapa com pombos para catar migalhas de pão duro nas praças da vida.
A ideia de ser um ChrisGPT me ocorreu enquanto ouvia Thom Yorke cantar “I wanna be your vacuum cleaner”. Em vez de lutar contra as máquinas, deveria me unir a elas. Precisava me tornar um robô.
Nem foi tão difícil quanto imaginava. Confesso que até tinha certa vocação para a coisa. Ficava em dúvida toda vez que um site me perguntava se eu era humano porque nunca conseguia identificar os quadrados que tinham uma motocicleta. Só a ponta do guidão conta? E parte da roda dianteira? Jamais saberei.
O primeiro passo para me tornar robô foi parar de me importar. A inteligência artificial não pensa, apenas executa. Ela nunca dirá que sua ideia é ruim de tantas maneiras que nem o computador mais potente do mundo seria capaz de calcular. Você quer que sua marca soe igual ao Silvio Santos? Ma ôe!
No segundo passo, comecei a copiar todo o conteúdo que encontrasse pela frente. O que é propriedade intelectual ou direito autoral diante do progresso da humanidade? Ou, melhor, do avanço da máquina? Alguns chamam isso de plágio. Eu chamo de inovação.
O terceiro passo foi abandonar qualquer escrúpulo de veracidade. Quando sei, aumento. Quando não sei, invento. Agora não perco mais tempo verificando informações. É tão mais rápido escrever assim! Tenho recebido menos por texto, é verdade. Em compensação, produzo muito mais.
O quarto e último passo tem sido consumir sozinho, em um mês, a energia suficiente para abastecer uma cidade inteira no mesmo período. Talvez isso antecipe em alguns anos o apocalipse climático, mas o importante é ser produtivo até lá. As máquinas não podem parar. Só hoje preciso escrever 1 autobiografia de um CEO, 2 filmes de Hollywood, 8 estudos científicos, 10 cursos de coaches da internet, 37 reels do Instagram, 270 artigos de blog, 641 trabalhos de universidade, todas as notícias que você lerá durante o dia e, também, o material didático das escolas de São Paulo.
Foi dessa maneira que me tornei robô. Desde então, nunca mais tive pesadelos de ficar desempregado, até porque robôs não dormem. A tecnologia é maravilhosa, não é mesmo?
Você acha que a inteligência artificial roubará seu trabalho? Ou sequer considera esse risco?
convite
Reforçando o aviso: dia 4 de maio, em São Paulo, e 10 de maio, em Florianópolis, espero as boas almas interessadas em poesia para o lançamento de Acende uma fogueira para a longa noite.
Conhece alguém mais dessas cidades? Pode chamar. Melhor dizendo, chame, por favor!
Para quem for de outras paragens, o livro está à venda no site da Patuá.
vi por aí
Agora que sou um robô, lá se foi meu plano de ganhar o prêmio Jabuti, que vetou obras que usam inteligência artificial.
“Você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo”, escreveu Caio Fernando Abreu, em 1979, numa carta a José Márcio Penido.
Carol Passos, do Posfácio, tem compartilhado uma série de lições sobre a produção de podcasts no Brasil.
Falando nisso, dei uma entrevista ao Posfácio News sobre o lançamento do meu novo livro, as inspirações e outras curiosidades.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do ChrisGPT
Acho que as IAs e os monopólios tecnológicos ganharam a luta quando fazem inteligências artificiais que fazem os trabalhos supostamente fáceis, repetitivos, inúteis, muito trabalhosos pra mente humana, artísticos, no lugar do trabalho braçal. Como vi no Twitter, queríamos máquinas pra lavar nossas roupas, secar e guardar enquanto temos tempo pra escrever, pintar e ler, e não um robô idiota que tenta ler, escrever e pintar por mim enquanto lavo roupa e louça. Perdemos o tempo do ócio, lazer e fazer artístico com a justificativa de computação genética que só vai servir de manobra política de manipulação de Massa. Sou pessimista nesse nível e vejo uma multidão de pessoas mudando de emprego no futuro, com grande reforma trabalhista das mesmas empresas que incentivam esses computadores. Pode até ser bom pra quem quer automatizar um processo chato e preguiçoso no Excel do trabalho, mas tem literalmente gente lucrando com e-book sem ter colocado a mão, estética, pessoalidade em nenhum processo. Nos meus piores dias de amargor, essa mentirada que cada vez tem ficado difícil de diferenciar só me dá desgosto e vontade de desistir, ou que o mundo acabe antes que livros escritos por robôs se tornem novidade. Nos dias menos pessimistas penso que é uma fase, que ficará emperrada por alguma falta tecnológica e as pessoas voltarão a querer coisas feitas por gente de verdade, ao invés dessas facilidades ladras de conteúdo. Enfim, desculpa o comentário gigante, mas esse assunto me revolta. Mas robôs não sentem raiva, então esse comentário vai sair da linha de programação em breve, rs
Como sempre, uma leitura prazerosa e, no caso, crítica certeira