quem tem vergonha de ser pobre?
uma confissão, um necessário chá de revelação de classe social e alguns pedidos de desculpas.
Você já perdeu o sono por causa de dinheiro? Junte-se ao clube!
Inclusive, quanto menor sua renda, maior é a chance de passar as noites em claro. Isso é o que mostra a pesquisa “O impacto das finanças na saúde mental dos brasileiros”, de Serasa e Opinion Box.
Entre as famílias de baixa renda, 52% dos entrevistados já tiveram ansiedade. Mas esse número cai para 40% entre as famílias de alta renda e fica em 48% na média nacional.
Outro levantamento, do Instituto QualiBest, confirma essa relação. Os problemas financeiros são o maior gatilho emocional dos brasileiros, à frente dos conflitos de relacionamento, dos eventos traumáticos e do luto.
Os impactos da dificuldade financeira então são os mais diversos, segundo a Serasa:
Ansiedade: 60%
Autoestima: 57%
Qualidade de sono: 55%
Humor: 54%
Confiança: 54%
Disposição: 50%
Concentração: 50%
A boa notícia? Não tem. Seguimos cortando o básico, como os 58% dos brasileiros que recentemente reduziram até a compra de comida, segundo o Datafolha, para esticar a grana. Como dormir assim?
Se cu fosse copo, a Stanley já teria falido.
Top três piores anos
O início de 2025 foi péssimo por aqui, depois de um 2024 já ruim. Entraria facilmente em um top três dos meus piores anos, parabéns!
Eu precisava sair da fossa. Então, consultei o ChatGPT… Brincadeira! Olhei no espelho e me perguntei: o que os piores anos da minha vida têm em comum?
A resposta estava no receio de que o dinheiro poderia acabar ou não seria o suficiente. Isso me permitiu entender certos comportamentos que adotei e por que, tantas vezes, fui babaca com pessoas queridas. Quero me desculpar com elas, mas, antes…
Senta que lá vem história
Em um passado distante, o dinheiro não era minha preocupação central. Sequer compreendia a pobreza de onde vim.
Cresci no Morro da Caixa, uma das dez maiores favelas de Florianópolis. Santa Catarina e sua capital divulgam essa imagem de riqueza lá fora, enquanto existem 161 favelas e comunidades urbanas no estado, de acordo com o Censo 2022, sendo 45 delas em Floripa. Há, também, muitos pobres.
Eu era um deles e não me importava. “Sou fechado desde pequeno”, escrevi aqui em outra ocasião e isso quer dizer que visitava poucas pessoas. A régua do meu mundo infantil era a casa de madeira onde vivia.
Então, o início do milênio foi um momento raro na história brasileira em que o pobre pôde sonhar e a mãe financiou um apartamento popular. Eu estava na quinta ou sexta série.
A mudança deveria representar uma melhora de vida. Pelo contrário, para mim, foi um baque. O apartamento, ocupado por cinco pessoas, incluindo uma criança pequena, era bem menor que a casa no morro. O pior de tudo era ser longe, longe, longe!
Um brasileiro médio
Minha família não tem culpa da pobreza de onde veio. Sequer tem aquela história do bisavô que vendeu a troco de galinha um terreno que hoje vale milhões de reais. É simples assim: nasci um cidadão médio, apenas com um nome metido a besta, em um país arquitetado sobre desigualdades.
Dito isso, posso ser profundamente grato por minha mãe nunca ter deixado faltar nada essencial para nós e, ao mesmo tempo, reconhecer as marcas do contexto social que vivemos.
Contato alienígena
Gente rica era alienígena para mim. Foi a partir da oitava série que comecei a conhecê-las, a entrar em suas casas, a ver o que me diferenciava delas. Notei que nunca ofereciam comida igual à minha família, apesar de viverem em casas maiores. Tanto que herdei da mãe essa mania de achar que sou um mau anfitrião se a visita não está comendo o tempo todo.
Da classe alta, espere migalhas. Ainda assim, minhas melhores roupas naquela época eram doadas por uma colega endinheirada da mãe, peças que já não serviam no filho da madame e que eu usava para cima e para baixo. Mas não queria só as roupas de segunda mão. Queria os lares grandes e silenciosos, os quartos privativos, os pais levando e buscando na porta, as viagens e a liberdade de não precisar trabalhar o quanto antes para ajudar em casa.
Eu crescia, fisicamente e enquanto pessoa, limitado por um quarto pouco maior que o banheiro. Isso me incomodava. Um moleque de 15 anos precisa de privacidade e não só para bater punheta. Acredito que minhas notas despencaram no ensino médio porque não encontrava sossego no apartamento para estudar. Além disso, acordava campesinamente cedo por causa da distância e dos horários de ônibus. Não tinha tempo para um bom café da manhã e aguentava as aulas com o estômago roncando.
Bom, fui morar sozinho com 19 anos e você pode imaginar o porquê. Nem considerei dividir o aluguel com alguém porque queria ter O. MEU. ESPAÇO. E isso me custou caro, não somente em dinheiro.
Autonomia. Do grego autónomos: viver sob a própria lei. Mas a lei é feita de direitos & penas.
Quando o custo de vida tem mais custo que vida
O Ipea entende como baixa renda as famílias com rendimento domiciliar per capita de até R$ 825 mensais. Nesse sentido, não sou categoricamente pobre como os 59 milhões de brasileiros que estão em situação de pobreza, ou os 9,5 milhões que vivem na extrema pobreza.
Por outro lado, considerando que o salário mínimo ideal para o DIEESE em abril de 2025 era de R$ 7.638,62 para sustentar um lar, todos que ganhamos abaixo disso estamos meio ferrados, não é mesmo?
Mais ainda, quem não for super-rico em Florianópolis, a cidade vai deixar mais pobre de um jeito ou de outro. Ela está entre as cinco cidades com o aluguel mais caro do Brasil no Índice FipeZAP, registra a terceira cesta básica mais cara do país no ranking do DIEESE e tem a maior tarifa do transporte público entre as capitais.
Não à toa chamam Florianópolis de “Ilha da Magia”. Ela faz seu dinheiro desaparecer em um passe de mágica.
Para viver sozinho, modestamente, preciso de R$ 3 mil por mês. Fico tresloucado de pensar nisso. Alugo uma casa pequena, tenho pouca vida social, visto as mesmas roupas há mais de dez anos já que ainda servem, passo meses sem beber, não fumo, não aposto no Tigrinho e no futebol, assino um único streaming, não vou a restaurantes, não tenho conta no iFood porque nunca pedi comida em casa, faço até meu próprio pão para economizar e todo mês — todo mês! — desembolso dois salários mínimos para manter o básico da existência: um teto, água, luz, internet, alimentação sem carne, gás, ônibus e impostos. Estar vivo custa mais que o rendimento médio per capita no Brasil.
Esse é um dos motivos para eu ter aprendido a cozinhar. Minha chance de provar um ratatouille, um yakisoba, ovos florentinos, uma moqueca de banana-da-terra ou um hambúrguer vegetariano dentro do meu orçamento é eu mesmo fazê-los. E faço tudo muito bem, por sinal, mas com o preço do simples nas alturas nem isso está rolando.
Os pixels estão morrendo
Jamais diga em voz alta que precisa economizar. Não escreva ou mentalize. Isso é um chamado para algo importante acabar ou quebrar em seguida. No meu caso, foi o celular.
No final de 2024, meu aluguel teve um aumento exorbitante e resolvi me mudar para perto da praia, já que teria de pagar mais caro de todo modo. Aí foram os custos da mudança e a caução do imóvel.
Então, comecei 2025 com a urgência de recompor minha reserva financeira. Enxuguei o orçamento o quanto deu, sem arrego. É horrível a sensação de passar na frente dos cafés de um novo bairro e não poder entrar neles, mas me dizia que seria por alguns meses.
Nisso, a tela do S8 que está comigo desde 2018 resolveu me abandonar aos poucos. Trocar de tela era impossível de tão antigo e um novo aparelho ainda demoraria. Enquanto profissional autônomo, não posso marcar fiado hoje sem saber se o “eu” de amanhã terá condições de pagar. Ou seja, lá viriam mais vacas magras pela frente.
Mesmo com esse planejamento, tenho certeza de que sentirei culpa quando trocar de celular. Para mim, o dinheiro nunca veio fácil. Como o ato de gastar seria um prazer quando me remete às perdas que o tornaram possível?
Reserva de emergência
Todo profissional autônomo precisa de uma reserva de emergência. Um mês de sustento, no mínimo; melhor se forem três. Descobri isso da pior maneira possível.
Até 2019, era bem descuidado com dinheiro. Não tinha sequer uma cama, apenas um colchão no chão, mas vivia bebendo com a galera. Digamos que eu investia meu capital em socializar — ou seja, em bares — em vez dos confortos mais íntimos da vida moderna. Mostrando que podia gastar na rua, esperava esconder minha pobreza em casa.
Certo mês, o atraso no pagamento de um frila me pegou sem qualquer pé-de-meia. Só receberia o dinheiro dali a 20 dias e estava quase sem comida. Não fosse minha amiga Isadora ter a iniciativa de me levar ovos e outras coisas, eu teria sobrevivido aquele período a pão seco com orégano, como passei tantos dias enquanto trabalhava na livraria, anos antes, mais longe das verdadeiras amizades. Isadora, muito obrigado por isso!
Minha gratidão foi tão grande quanto minha vergonha pela situação. Poderia ter pedido ajuda para a mãe? Com certeza. Faria isso? Jamais, pois acredito que cada pessoa deva pagar por suas escolhas. E não posso escolher a autonomia apenas quando é conveniente para mim, preciso me virar mesmo quando o preço é alto. Mas aprendi a lição e ter uma reserva de emergência tornou-se um compromisso incontornável.
As mentiras que (nos) contamos
Desde a juventude venho tentando esconder quem sou, à la Maria de Fátima. Menti muitas vezes com esse objetivo. Até acreditei nessas mentiras.
Quando me perguntam se já fui a determinado restaurante, se visitei a Chapada dos Veadeiros ou a Europa, por que não dirijo, por que não me matriculo na academia, por que não faço a dança de salão que tanto desejava, por que não tenho um micro-ondas, se não gostaria de adotar um gato ou o que seja, as respostas podem ser muitas, mas a verdade é uma só: não tenho dinheiro para isso.
O problema é que, cedo ou tarde, as mentiras que nos contamos ficam entre nós e as pessoas que amamos. Em mim, a vergonha da pobreza criou uma barreira para o próprio amor.
Otário, fodido ou os dois?
Por muitos anos, não levei mulheres para casa porque dormia em um colchão no chão. Lembre-se: a autoestima e a confiança são minadas pela dificuldade financeira. Somente a partir dos 28 anos, quando reduzi a vida social, passei a morar em lugares onde me sentia confiante para convidar alguém. Não precisava mais desaparecer ou agir feito um bocó na esperança de que desistissem de mim porque eu preferia isso a contar que era um fodido.
Mulheres maravilhosas passaram pelo meu caminho desde então. Eu, muito esperto, estraguei minha chance com cada uma delas, depois de algumas fodas ou nem isso. Às vezes, sequer tomava a iniciativa pelo receio de que, se desse certo, teria de mostrar o quão entediante é a vida que levo para sustentar essa vida que sou obrigado a levar adiante.
Este ano, tenho torcido até para as conversas no Tinder esfriarem, assim não preciso gastar em encontros. Que parceiro eu seria sem poder acompanhar em jantares fora, em festivais, em passeios, em corridas de Uber, no cinema, no açaí da esquina, em um curso de shibari para casais, nos planos para a vida? Isso não é sexy nem divertido e nenhum Lepo Lepo vai me convencer do contrário.
“Eu não tenho carro, não tenho teto
E se ficar comigo é porque gosta”
Psirico
Um homem na encruzilhada
Afinal, por que faço este chá de revelação de classe?
Quero pedir desculpas. Primeiro, às mulheres que deixei na mão. Sinto muito pelo meu silêncio e pela minha estranheza quando nos envolvemos. Não posso mudar o que passou, apenas garantir minha honestidade aos 36 anos. Tinha vergonha de não poder oferecer nada além e não sabia como expressar minhas limitações. Por isso, amei mais intensamente as comprometidas ou as distantes — era a forma de me permitir amar sem abrir essa intimidade de faltas de que sou feito.
Também devo me desculpar com as pessoas que sempre estiveram ao meu lado, como a Isadora e minha mãe. Sou difícil de lidar, mais ainda pelo que calo, mas estou tentando melhorar porque merecem meu melhor. Posso perder meu sono à noite por causa de dinheiro, mas não posso perder vocês.
Este ano me encontro, novamente, em uma encruzilhada. Reconheço esse lugar do passado, onde tanto desesperei. Agora o acho bem-vindo. Saber-me em uma encruzilhada quer dizer que não estou preso a um único caminho. E escolho o da verdade daqui para a frente.
Por aí, o que o custo de vida tem lhe custado?
Este texto foi uma continuação de:
playlícia
Para combinar com o clima de vacilos amorosos, ofereço uma playlist dedicada aos corações partidos. Ouça agora Adeus a um grande amor, só com músicas brasileiras sobre fins de relacionamentos — reais ou imaginários.
vi por aí
- escreveu com profundidade e emoção sobre sentir raiva de gente rica. “Será que foi justamente essa raiva que fez eu me deslocar de classe social?”
Millennials não querem tiny houses. Aqui a
foi certeira. Em 99% das perguntas “por que os millennials não estão vivendo assim ou assado como seus pais?” a resposta é: não temos dinheiro.Já o
mandou em Pobre gente rica uma das maiores pedradas que li no Substack. “Se bem-nascido, hoje, eu teria menos traumas do que tenho, por ter sido pobre?”Para completar, um estudo na Alemanha refuta a ideia de que a renda básica universal induza as pessoas a não trabalhar. Jamais serei um desses pobres de direita que desejam ascender economicamente mantendo o sistema projetado para moer outros tantos na base da pirâmide. Quero políticas que permitam viver com dignidade e prazer, e não só para arcar com as necessidades básicas.
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Um abraço do Chris
Caramba, Christian. Que texto. To com um choro na garganta porque me vi muito em suas palavras. É inacreditável como mesmo tendo vivido em lugares diferentes dos seus, a experiência da escassez tenha sido a mesma - o desajuste, a tristeza, a sensação de nunca ser bom o bastante para alguém. Meu abraço e, principalmente, meu agradecimento: foi uma honra ter lido suas palavras tão honestas.
Altos texto. Me vi demais nisso. Cresci em Balneário Camboriú e lá ser pobre entra em uma espécie de sistema de castas - quem é rico está no topo dos prédios ou dentro de Ferraris não passam pelos bairros onde eu vivi e meus pais vivem até hoje. A gente naturaliza porque não vê a desigualdade acontecendo no ato, não tem contato com os ricos - existem eles e existem nós. A primeira vez que entrei em um prédio na Avenida Atlântica, na orla de BC, para receber 200 reais de um freela, foi como se a realidade se fragmentasse. Era outro mundo dentro da cidade que eu cresci. Em Balenário a riqueza é um programa ruim de tv aberta - eu assistia os ricos passando pela rua da mesma maneira que uma vez vi o Dedé gravando um episódio de Comando Maluco na praia: eles lá vivem num mundo de ficção fazendo vruum em um Camaro e eu aqui assisto com um pouco de curiosidade mas sem muita entrega emocional.
Além disso, minha família é de uma cidade de 2000 habitantes no interior do estado, onde nasci. Meus tios viviam em casas cedidas no terreno de uma madeireira na qual todos trabalhavam. As mulheres, quase todas, eram empregadas domésticas, cozinheiras ou operárias. Vivendo em BC com um pai soldado da PM, apesar de pobre, eu acabava sendo o playboy da família. Enquanto eu ia no shopping com colegas de sala e ficava assistindo eles comendo mcdonalds enquanto mentia que não tava com fome, na minha cidade natal não existia nem rua asfaltada (na época). Nessa época eu tinha vergonha de ser rico.
Minha vergonha de ser pobre só virou uma luz que me guia quando me mudei pra Floripa, com 17 anos. Foi quando entrei na UFSC. Diferente de BC, Floripa é uma cidade de old money. Os ricos não fazem tanto show. Eu comecei a conviver com eles dentro da universidade. Gente que vivia em mansão, estudou em escola de elite, se hospedava em hotel e luxo enquanto procurava por um apartamento para alugar. Ou até gente classe média alta, que pra mim também eram ricos, que tinham viajado com a família pra Europa ou pra Bahia, moravam e casa própria, usavam roupas descoladas, tinham tv a cabo. Enquanto isso eu corria para buscar estágio (que é vedado no primeiro semestre), bolsa permanência, auxílio moradia - ainda era o primeiro mandato da Dilma e esse tipo de coisa ainda existia com uma certa amplitude. Compartilhava com alguns colegas de sala o fato de não pegar ônibus - eles iam de carro porque busão é muito desconfortável, eu ia de bike porque busão é muito caro.
A vergonha veio primeiro não pela falta de dinheiro, já que pular refeição e mentir não estar com fome já era natural pra mim. Eu romantizava, de certa forma, comer só polenta com farofa yoki em todas as refeições pra economizar uma grana, porque achava que teria uma história mais massa pra contar quando virasse gente. Tinha lido Na natureza selvagem e on the road e me achava O beatnik tupiniquim. A vergonha veio pela minha falta de cultura, que os colegas endinheirados pareciam ter de sobra. Falavam inglês sem sotaque e, às vezes, francês. Sabiam de tudo do mundo dos USA, das últimas do Jay-Z e do Kanye. Cresceram ouvindo Caetano e Chico, Gal e Gil enquanto eu só no Bruno e Marrone, no Rick e Renner e tendo o Nirvana e a cultura do quadrinho underground, que já eram vistos como coisa de velho, como vetores mudança total da vida na adolescência (acho Caetano, Chico, Gal e Gil fodas, mas lembro do dia em que eles foram novidade pra mim). Enquanto em BC os ricos se orgulham de serem idiotas com tino pros negócios, em Floripa o buraco é mais embaixo. Existe um filo onde todos são bilíngues, bem educados, muitos bem receptivos com os menos privilegiados. São pessoas legais, de verdade. E aí a vergonha cresce junto com a inveja e a vergonha de sentir inveja. Pela primeira vez eu quis ser como eles. Ter cultura, ter assunto pra falar. Não era ser o Eike Batista ou o Luciano Hang, era ser o Walter Salles, o Jô Soares.
Passei a virar madrugada lendo, vendo filmes de rich people problems e tentando empatizar com os personagens para entender a língua dos meus colegas enquanto abria as portas da percepção com a psicodelia da falta de comida, da privação de sono e da depressão galopante. Tudo isso em segredo - tinha vergonha de ser pobre diante dos meus colegas ricos no mesmo tanto que tinha vergonha de contar pra minha família e amigos que estava me estourando só pra agradar uma galera aleatória.
Foram os piores anos da minha vida. A vergonha se transformou em uma necessidade de estudar 5x mais do que qualquer outro para que eu não continuasse sendo um bárbaro caipira. Tudo evoluiu pra uma depressão de anos, que cagou com as minhas notas no segundo ano de curso, me deixando sem bolsa. Abandonei o curso e fui trabalhar na maior empresa de telemarketing daqui, que na época era do Topázio Neto, nosso prefeito influencer. O tempo que trabalhei no telemarketing e no shopping foram uma recuperação de vida - ainda não tinha grana nenhuma, fui de um apê de 3 quartos dividido com 6 amigos pra uma kitnet de 10m² no topo do morro do Pantanal, ainda comia só almoço e janta, ainda perdia sono com o fato de que 80% do meu salário ia só pra aluguel, mas convivia com gente mais parecida comigo e infinitamente mais interessante.
Depois voltei pra universidade, em outro curso, com a vantagem da ampliação do sistema de cotas - o que fez com que tivessem mais pessoas identificáveis, com problemas de gente real. Mesmo assim, quando encontro por acaso algum ex-colega do primeiro curso, o que abandonei, contando feliz e contente que foi pra festivais de música, viajou pra Espanha ou trabalha em uma startup italiana e anda recebendo em euro e pergunta se eu me formei, respondo que deixei o curso porque não estava gostando do currículo, porque não me encontrei na área, porque acabei gostando mais de letras ou conto alguma mentira deslavada porque, também, foda-se. Nunca digo que foi por falta de grana.