o que as pessoas interessantes fazem?
sobre a arte de conversar, manter amizades, viajar, jogar sinuca e ser artista.
O que faz alguém ser genuinamente interessante de conversar? Estive pensando nessa questão e, mais uma vez, ela passava pela minha cabeça enquanto eu perdia a quarta partida consecutiva de sinuca para Laercio. Entre uma tacada e outra, meu amigo perguntou com a tranquilidade dos vencedores:
— Tem visto algo?
— O Dia do Chacal. É cheia de clichês do gênero, mas bem produzida.
— Que nota você daria?
A pergunta me fez espirrar o taco, não porque me espantasse, mas por responder minha própria questão. E porque sou ruim de sinuca mesmo.
Laercio é um artista, ilustrador e designer gráfico fora de série. Trabalhamos juntos e foi assim que o conheci. Mas, quanto mais eu penso sobre o que torna alguém interessante, mais tenho certeza de que a resposta não está em um currículo. Uma pessoa verdadeiramente interessante não pode ser definida por qualquer interesse ulterior nela.
Para fins de exercício mental, tiremos da mesa o status social, o emprego, o quanto ganha, quem conhece, quais vantagens pessoais pode conceder e eventuais intenções sexuais ou amorosas. Então, o que sobra? Qual é a bola oito das relações humanas?
A resposta me parece ser uma só: as pessoas interessadas são mais interessantes.
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A palavra “interesse” vem do latim inter, entre, e esse, ser, estar, existir. As possíveis definições incluem as de estar entre, distinguir, importar. Contudo, a explicação mais bonita vem do Primer diccionario general etimológico de la lengua española (1880-1883), de Roque Bárcia:
“El interés es la relación que existe entre las cosas.”
O interesse é a relação que existe entre as coisas.
Aí está o segredo das pessoas interessantes, elas estão sempre construindo pontes.
Todos já conversamos com alguém na condição de espelho para a expressão do outro. É como se não estivéssemos ali ou fôssemos menos. Por outro lado, as pessoas interessadas nos fazem sentir mais vivos porque nos sabemos percebidos.
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Na prática, é difícil separar nossos próprios interesses ou receios das pessoas que se mostram interessadas. Não avaliamos o quão proveitoso é conversar com alguém pela situação, e sim pelas expectativas que temos a respeito.
Uma das piores métricas para definir se uma pessoa é interessante ou não é o quanto ela já viajou. O turismo contemporâneo é majoritariamente desinteressado e focado na câmera frontal do celular. Viaja-se para se registrar no destino escolhido, todo o resto é plano de fundo.
Nem acredito em quem viaja como jornada de autodescobrimento. Isso me soa como aquelas manchetes “Socialite vai para a Ilha de Caras se encontrar”, mero ato midiático. Por que ir para outro lugar se a intenção é olhar para si? Por que visitar a Itália para comer no McDonald’s? É quando nos permitimos descobrir algo além que enriquecemos nossa experiência e, talvez, viramos pessoas um tiquinho melhores.
Não é preciso dar a volta ao mundo para viver uma vida interessante. Mas quem vive de maneira interessada encontrará um mundo de possibilidades ao redor.
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Pessoas interessadas de verdade não consideram apenas aquilo que lhes é familiar, ou o que domina o discurso público no momento. Elas se mantêm curiosas em relação ao que a vida lhes oferece pela frente. Não à toa, os conhecimentos delas não se limitam à área de estudo ou trabalho.
Essa curiosidade é o principal recurso do artista. Especialmente para quem se propõe a contar histórias, considerar outras possibilidades de existir deveria ser um prerrequisito. Não quero com isso invalidar a autoficção da moda — eu mesmo escrevi um romance sobre o turista mais desinteressado que já existiu, inspirado na minha viagem ao redor da América do Sul. Mas é preciso reconhecer os limites da própria experiência.
O desafio do artista é se manter uma pessoa interessada em meio ao cansaço, à rotina, aos outros trabalhos que pagam as contas e ao modus operandi da vida digital, em que o brinquedo mais cintilante é sempre o próximo, não o presente. Marina Abramović diria algo sobre isso ou, melhor, ficaria sentada em silêncio na sua frente por 15 minutos até você descobrir.
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Bela me mostra outra forma de se interessar. Como em tantas amizades à distância, trocamos mensagens esporádicas quando dá. Mas algo acende em mim toda vez que recebo uma notificação dela.
Nem todo mundo consegue demonstrar o interesse que sente. Esse é o caso dos introvertidos como eu. Sou fechado desde pequeno e trabalhar durante os últimos sete anos em home office reverteu qualquer avanço meu para ser mais desenvolto. Com quem me sinto à vontade, sinto que falo excessivamente de mim porque passei tantos dias calado e preciso reafirmar minha voz e minha existência. Isso não quer dizer que não estou prestando atenção; sou capaz de escrever toda uma newsletter a partir de uma frase ouvida.
Volto a Bela. Se ela me manda uma música ou uma receita, sinto como se me abraçasse, porque são coisas que me agradam. Mais que isso, saber que ocupo um espaço na mente de outra pessoa é ter minha presença dilatada no mundo. Sim, estou em uma música, em uma receita e muito mais porque alguém com seu interesse, com sua capacidade de estabelecer relações, ligou-me a essas coisas.
Introvertido que sou, gostaria de dizer a Bela, a Laercio, a todas as amigas e amigos: tenho plantado a ideia de vocês nos terrenos mais férteis que encontrei. O quanto lhes escrevo é apenas um vaso perto da floresta em que se estendem.
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Também poderia argumentar que pessoas engraçadas são mais interessantes de se ter por perto. É um chamariz, não vou negar. No entanto, vejo o humor como outro modo de escuta ativa: a graça só funciona em contexto e quando se sabe a hora de fazer piada ou de fechar a matraca. Caso contrário, é fácil cruzar a linha entre a comédia e o papelão.
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Em resumo, pessoas interessadas são mais interessantes porque criam relações mais profundas e, ocasionalmente, ganham quatro partidas de sinuca até o amigo introvertido passar a noite estudando vídeos no YouTube para ganhar pelo menos um jogo na próxima vez.
Arrisquei um ensaio pessoal fragmentado e a receita desandou. Uma bagunça! Mas concorda com as pessoas interessadas serem mais interessantes? Ou o quê, então?
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Palm Springs é um filme de comédia romântica com personalidade e mais filosofia do que o gênero merece. Adorei!
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Um abraço do Chris
Galera, houve uma conta se passando por mim nos comentários desta publicação, oferecendo um "investimento". Já denunciei o usuário à plataforma. Mas não me bloqueiem por engano, pelamor!
(imagine aqui o meme de The Office "identity theft is not a joke, Jim!)
nos tempos em que vivemos, em que cada um está com a cara enfiada no próprio celular, uma pessoa interessada é cada vez mais rara!