expectativa é uma m&#*@
É culpa da solidão. Sempre é culpa da solidão.
A vida me ensinou duas grandes lições: nunca vá ao mercado com fome nem entre no Tinder com tesão. Em ambos os casos, você pode acabar levando para casa algo que não está tão a fim de comer.
Mas este relato não tem a ver com uma coisa nem outra. É sobre uma terceira lição que aprendi recentemente: cuidado com o que você decide criar nos momentos de solidão.
Achei que adotar um bicho resolveria meu vazio existencial. Então, encontrei uma cachorrinha — uma bucica, como se diz aqui em Florianópolis — e adotei-a. Era a coisinha mais lindinha do mundo, cabia certinho nas mãos em concha, uma bonequinha.
A cachorrinha era tão fofinha e engraçadinha que tive dificuldade de encontrar um nome à altura. Na dúvida, consultei o oráculo. Isto é, abri o dicionário ao acaso e coloquei o dedo sobre uma palavra qualquer. Esse seria o nome da buciquinha.
Qual não foi minha surpresa quando vi a palavra sob o meu indicador: Expectativa.
lidando com a expectativa
No primeiro dia em que trouxe a Expectativa para casa, ela dormiu aninhada no meu peito. Uma fofura!
Mas de manhã acordei com certo desconforto, uma falta de ar. Expectativa ainda estava deitada sobre mim, só que já não era a miniatura que fora dormir na noite anterior. Não, ela agora tinha o triplo do tamanho e seu peso me fazia arfar.
Eu, pouco entendido de bichos, pensei que aquilo era a coisa mais normal. Todo mundo diz que eles crescem num piscar de olhos.
Acontece que a verdadeira surpresa viria a seguir.
Logo de manhã, levei a Expectativa para passear. Trouxe no bolso um saquinho para coletar as fezes dela, como sujeito consciente que sou. Passeia para cá, passeia para lá, Expectativa finalmente mostrou a que veio. Abaixou o traseiro, levantou o rabo e largou na rua a maior bosta que vi na vida. Aquilo era obra de um cavalo, de um hipopótamo, de um elefante!
Imagine meu sufoco ao perceber que aquela bostarada toda não cabia no saquinho que trouxe comigo. Tive de pedir ajuda aos demais tutores que passavam para recolher tudo.
Bem, talvez Expectativa estivesse com prisão de ventre e, uma vez no conforto de um lar, enfim pudera relaxar. Isso explicaria a merda que fez. Mas, por via das dúvidas, comprei uns sacos maiores e mais reforçados no mercado.
moral da história
Acertei na compra. Dia após dia, Expectativa estava cada vez maior. Dentro de uma semana, Expectativa já tinha a minha altura quando se erguia nas patas traseiras. E quanto mais crescia, maior também eram as merdas que fazia. Tanto que em nossos passeios comecei a levar uma pá de obra para juntar o adubo que ela deixava pelo caminho.
A coisa estava saindo fora de controle, isso não poderia ser normal. Aonde eu fosse, o cheiro fétido da Expectativa me acompanhava, causando transtorno em minha vida, impossibilitando as relações, afastando-me das pessoas.
Levei-a ao consultório, é claro. Algum hormônio, algum gene dera errado na minha pobre bucica. Mas a veterinária foi enfática:
— Essa é a raça da Expectativa. É assim mesmo. Ela só cresce e faz merda.
Saí de lá desolado. Montei sobre a Expectativa e voltamos cavalgando melancolicamente para casa.
Ao fim do primeiro mês ela já não passava pela porta, então agora dorme na garagem. Porém, ali também há de ficar pequeno em breve e não poderei mais sustentá-la. Só há um destino para ela: vagar o mundo, emporcalhar tudo.
Essa foi a lição que aprendi. A qualquer momento, uma grande Expectativa pode cagar sua vida. Cuidado com o que você cria!
Aviso: daqui para a frente, a Newslenta será um pouco mais lenta e terá frequência mensal, está bem?
playlícia
Final de ano é aquela mesma história: retrospectiva disto e daquilo.
Eu, particularmente, prefiro esquecer muito de 2021. Exceto a música. Ela é minha eterna companheira e neste ano trouxe agradáveis revelações, retornos triunfais e sons para todos os gostos.
Então, reuni na playlist O Som de 2021 destaques dos álbuns que me marcaram nesse período. E para você: quais foram os discos do ano?
vi por aí
Fui à praia sozinho algumas vezes nesta semana. Não tenho problema em fazer as coisas desse jeito, mas, ao mesmo tempo, sinto-me mal por não convidar alguém para ir junto. Sei lá, sempre estou tão cansado que evito até o esforço de combinar agendas. Aí vejo um texto como “Outras formas de amor são possíveis”, de Carolina Bataier, e penso que falto ao cuidado com meus amigos. É foda…
Além de ir à praia, meu outro passatempo tem sido entrar em crise profissional. Há alguns anos escrevi sobre o conceito de ikigai, ou razão para viver, e ainda estou longe de encontrar o equilíbrio entre ter tesão, talento, utilidade e dinheiro.
Nessas horas me lembro do poema “If —”, de Rudyard Kipling: Se és capaz [...] De forçar coração, nervos, músculos, tudo/ A dar seja o que for que neles ainda existe,/ E a persistir assim quando, exaustos, contudo/ Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!".
Por fim, para quem tem interesse no mercado editorial: Ana Possas e Luiza Del Monaco darão uma aula virtual com o tema Análise de tendências. Será no dia 30 de novembro de 2021, às 20h. As inscrições são gratuitas.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris
Gostei da reflexão sobre passeios solitários. Tenho muita preguiça em combinar agendas e prefiro seguir apenas a minha própria =)