desaparecido
Entre imagens de gatinhos e feiquinius, a festa das redes sociais virou um enterro. Num dia estávamos felizes por manter contato com pessoas afins; no outro ficamos mais irritados e deprimidos enquanto víamos a democracia ruir diante dos nossos feeds.
“Tá, Chris, qual é a novidade?”, imagino você perguntando.
Esse é o problema, não há novidade alguma, pois continuamos enredados e fazendo pouco caso de uma sucessão de escândalos. Inclusive, o tempo médio que nós brasileiros passamos nas redes sociais teve um ligeiro aumento: de 3h31 por dia em 2020 para 3h42 em 2021.
Além de presos, estamos provavelmente viciados, já que as redes sociais bagunçaram nossos cérebros. Em vez de obter dopamina naquilo que temos controle, como exercícios, alimentação, ioga e o escambau, colocamos nosso bem-estar nas mãos de algoritmos e desconhecidos.
“Uma pesquisa realizada pela Universidade do Estado da Califórnia mostrou que o mesmo sistema acionado pela cocaína é observado em usuários dependentes do Facebook.” Marcelle Souza para Tilt | UOL
Mas o problema é ainda mais embaixo. 👇
mais embaixo
Não ter perfis em redes sociais é um privilégio. E um motivo de inveja para nós, meros mortais. Cada vez que uma celebridade declara não ter conta nas redes, como Wagner Moura, Cate Blanchett e até o queridinho da internet Keanu Reeves, é inevitável pensar “queria ser assim”.
A diferença é que eles já estão sob os holofotes, enquanto precisamos jogar luz sobre nós mesmos para atrair trabalhos, divulgar nossos projetos e interesses ou vender algo. Afinal, se Julieta repetisse hoje “O que há num nome?”, Romeu acrescentaria “Também uma marca”.
Fico feliz com quem possa se perguntar: devo abandonar as redes sociais? Para muitos que conheço, a pergunta é outra: como usar as redes sociais sem sermos usados?
Talvez a resposta não seja tão lógica, mas mágica. Devemos aprender, como ilusionistas, a desaparecer e reaparecer sob nosso comando. Vou chamar essa técnica de Disponibilidade Programada™.
Sinto que eu era mais feliz antes das redes sociais. Lia mais, absorvia mais, escrevia mais literatura, até a pele era mais viçosa. Também tenho a certeza de que as coisas mais importantes que fiz aconteceram longe delas. Na viagem que inspirou o romance Passagem para Lugar Nenhum eu não tinha sequer celular, para você ter ideia. Depois, durante a escrita, acordava às 4 da manhã porque era o momento mais silencioso e desconectado do dia.
Agora em 2021 tive um período muito bom que estou tentando recuperar. Consegui reduzir o uso das redes sociais a 4h30 por semana, em horários predefinidos. Isso me permitiu ler muito mais e me organizar para escrever o primeiro capítulo do meu segundo romance (#vemaí).
O discurso de Michaela Coel na premiação do Emmy foi certeiro nesse tema:
“Em um mundo que nos instiga a navegar pela vida dos outros para nos ajudar a determinar melhor como nos sentimos em relação a nós mesmos e, assim, precisarmos estar constantemente visíveis — porque a visibilidade hoje em dia equivale ao sucesso, de alguma forma — não tenha medo de desaparecer disso, de nós, por um tempo e ver o que surge para você no silêncio.”
Tristemente, acabei recaindo no vício e luto para voltar à Disponibilidade Programada™. Então, se uma hora você pensar “nossa, o Chris está desaparecido”, saiba que estou muito bem, obrigado. Mas na próxima quinzena tem mais Newslenta, isso eu garanto!
P.s.: escrevi isso no domingo 3/10. Na segunda, Instagram, Facebook e WhatsApp saíram do ar. Sinais, sinais...
Para comentar: como você conseguiu realizar os projetos mais importantes da sua vida?
um belo dia
Talvez a dependência da interação 24x7 seja uma forma de tentar preencher o vazio. Mas, baby, ele continuará lá. A única forma de se resolver com o vazio é convidá-lo para tomar um chá.
Foi pensando nisso que escrevi o poema Um belo dia, que declamo neste vídeo.
disponibilidade programada™
Destaco algumas dicas práticas para quem usa as redes sociais como ferramenta de divulgação (freelancers, conteudistas, artistas etc.). Apesar do tom imperativo, não quero ser caga-regra. Apenas sugiro o que funcionou para mim.
Programe momentos específicos da semana para consumir conteúdo nas redes sociais. O objetivo é entrar e sair o mais rápido possível, então salve os links que lhe interessam no Pocket, Feedly ou afim para ver depois com calma.
Desative todas as notificações de redes sociais que não sejam mensagens diretas. Ou até elas, se preferir.
Crie uma conta no LinkedIn, se ainda não tiver. Ele pode ser um poço de chorume, mas ter um perfil completo — destacando as palavras-chave do que faço e marcando a opção de abertura a recrutadores — foi o que me gerou mais oportunidades de trabalho pelo menor esforço.
Organize seu feed por ordem cronológica, quando possível. No Twitter, a organização por pastas ajuda a manter por perto as contas mais relevantes para você.
Jamais se esqueça da parte social na rede. Converse com outras contas de forma mais pontual e mais profunda. Isso gera mais retorno que sair distribuindo likes a torto e a direito. Ah, e compartilhe o trabalho de outras pessoas.
Avise os horários em que estará disponível para responder. Foda-se quem não entender. A comunicação assíncrona é regra de sobrevivência digital.
No Instagram, defina uma notificação de tempo gasto por dia dentro de Menu > Sua atividade. Existem outros aplicativos com essa função.
Na hora de postar, o agendamento é ótimo para não precisar ficar on-line, mas varie os horários para não cair na malha fina do algoritmo. Há ferramentas gratuitas para isso, como Hootsuite, Planoly etc. Administrar as redes de fora delas ainda evita distrações.
Corte as redes sociais e o celular algumas horas antes de dormir. Seu sono e seu humor agradecem.
Use mais o e-mail e menos o WhatsApp para assuntos profissionais!
Bônus: Se as redes sociais subitamente acabassem, como ameaçaram nesta semana, o público conheceria você e seu trabalho? Cuidado com a superdependência de intermediários.
Mais bônus:
vi por aí
Já pensou se a gente pudesse recomeçar a vida do zero e assumir uma nova identidade? Por mais interessante que seja essa ideia, ela pode se tornar o oposto do imaginado. Essa é a premissa do romance O Falecido Mattia Pascal, de Luigi Pirandello, uma das histórias mais engraçadas que já li.
Terror de adulto: vi a nova série da Netflix, Missa da Meia-Noite (Midnight Mass). É tensa, sem dúvida, mas no quesito Cagaços & Pesadelos dou nota 6. Em compensação, a lista de alimentos que não posso comer à noite porque me estragam o sono só cresce com o passar dos anos: frituras, pimenta, leite, whey, mel etc.
Terror de adulto 2: o burnout, ou exaustão extrema, é uma realidade sombria para muita gente. Isso explica a repercussão do livro Não Aguento Mais Não Aguentar Mais, de Anne Helen Petersen. Uma reportagem da Folha de S.Paulo sobre ele destaca como ter de trabalhar, se divulgar e se gerir aumenta esse cansaço.
Mas calma! Fiz uma playlist para serenar o coração. Agora todos os problemas do mundo foram resolvidos.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris
Adorei a lista de sugestões de como lidar com as redes. Estou numa época mais viciada, infelizmente, e suas ideias vão ajudar =)
Uma pitada de alegria ler teus textos, sugestões de leitura e ouvir tua poesia. Keep on going :)