sucesso no dos outros é refresco
Não possuo títulos acadêmicos ou prêmios. Não tenho cargo de chefia nem um emprego badalado. Nunca fui à Europa. Não estou em nenhuma lista dos mais influentes ou mais vendidos. Não alcancei milhares de seguidores nas redes. Sequer tenho carro. No entanto, minha maior frustração nos últimos anos foi não ter móveis planejados.
Por quê? Ora, eles estão indiretamente ligados à minha ideia de sucesso, ou de uma forma particular de sucesso: a estabilidade.
Se quem casa quer casa, quem tem móveis planejados quer criar raízes. É o tipo de pessoa que tem certa segurança no futuro, coisa que para mim, vivendo de aluguel e num eterno agora, parece um sonho. Um sonho de sucesso…
métricas de sucesso
Minha vida adulta tem sido uma bagunça. Como no poema Um belo dia, tenho pulado de galho em galho com o passar dos anos, muito por causa dos meus ideais de sucesso nesse período.
Quando mais novo, influenciado pelo ultrarromantismo das aulas de Literatura, sequer imaginava uma vida depois dos 25 anos, porque meus ídolos naquela altura haviam morrido jovens. Live fast, die young. Talvez um obituário interessante até alavancasse as vendas dos meus livros.
Bem, ainda estou aqui e as vendas não foram a lugar algum.
Depois, meu lado poeta arrefeceu e entrou o profissional. Este queria prêmios, reconhecimento internacional, liderar equipes e o escambau. Nada disso aconteceu.
Hoje vejo amigos e amigas em carreiras de destaque no Brasil e no exterior, abrindo empresas, comprando imóveis. Então olho ao redor e penso: que caceta eu conquistei nesse tempo todo?!
Aí está o problema! Aplicamos aos nossos sonhos métricas de sucesso alheias, sem nos importar com a trajetória, a experiência e a sorte de cada pessoa.
Quando não somos nós a nos compararmos com os outros, são as pessoas que, a princípio, querem nosso bem. ”Seu primo passou num concurso e está ganhando R$ 30 mil por mês, por que você não faz isso também?” Ou “Fulana casou e teve filhos, deve estar tão feliz”.
por uma definição pessoal de sucesso
Com quase 33 anos, ainda acho um saco admitir que o sucesso pode ser uma carreira modesta com clientes fiéis ao meu trabalho, ter condições de pagar minhas contas sozinho sem desespero, poder ajudar algumas pessoas e não ser um grande otário. Mas isso é uma enorme evolução para o Chris de 24 anos que economizava no pão para fechar o mês.
E nada me deixa mais feliz do que brigar com o papel e sair vencedor, sentindo que de produzi belos versos. É uma vitória calada. Agora, onde encaixo isso nas definições de sucesso que vejo ao meu redor, nas redes sociais, na mídia? Não dá.
Copiar as métricas de sucesso de outrem apenas nos furta a chance de encontrar nosso próprio ideal de satisfação. Isso também nos impede de perceber o quanto conquistamos na realidade.
É claro, qualquer que seja nosso ideal, ele implica uma condição de renda que traga um pouco de tranquilidade. Neste sistema, a realização financeira é essencial para termos uma vida digna. Ou nós, meros mortais não herdeiros, devemos abrir mão de certas liberdades e confortos.
Então, nossa definição pessoal de sucesso é uma eterna negociação entre o que precisamos para sermos felizes — materialmente ou imaterialmente — e o que gostaríamos de ter.
Tudo bem renegociar isso ao longo da vida, mas aí surgem duas questões:
Tenho uma situação financeira que me permite ir atrás de maior satisfação?
De quanto / o que realmente preciso para viver com satisfação?
Como disse minha amiga Mia:
“Eu só tive a possibilidade de entender que a vida que estava vivendo não era sucesso porque tenho grana o suficiente pra me permitir questionar isso.”
Ainda tenho muito o que rever nesta cachola, mas já me sinto mais tranquilo com minhas conquistas. Mesmo sem ter móveis planejados.
Para completar, parafraseio meu amigo Caldas Aulete:
Sucesso é, simplesmente, um resultado positivo.
Já passou por essa crise de identidade? Quais são suas métricas de sucesso?
seguimores respondem
Fiz uma pergunta parecida no Instagram (@chrisvonkoenig) durante a semana: Nesta fase da sua vida, o que é sucesso para você?
As respostas me permitiram ver lacunas no meu texto original — acrescentei alguns parágrafos — e revelam como pode ser variada a definição.
Paz e sossego
Saúde mental
Resiliência
Independência
Família e amigos
Tempo para si
Tudo isso pode ser sucesso. Mas por trás sempre ronda o espectro do $$$, seja quando falamos da garantia de renda como fator necessário à $aúde mental, seja quando temos condiçõe$ de aproveitar um tempo livre.
Vale destacar: apesar desse aspecto intrínseco do dinheiro, a materialidade passou longe das respostas. Isso me enche de orgulho dos meus seguimores e seguimoras.
playlícia
Descobrir novos artistas que caem imediatamente no nosso gosto é sempre bom, mas é melhor quando têm uma obra extensa em que podemos mergulhar. O perigo da descoberta cedo demais é ouvir as quatro ou cinco músicas lançadas e logo ficar na espera por mais. Essa é minha experiência com Berberes, por exemplo.
Por outro lado, três álbuns na discografia já é um bom número, como a da cantora, compositora, produtora e DJ dinamarquesa Astrid Engberg. Descobri há pouco o disco Tulpa, com seu embalo suave, e fiquei surpreso com a homenagem feita a Marielle Franco. Recomendo também Modern Blues, que ouvi em seguida.
Está esperando alguém lançar música nova? Deixe a dica!
vi por aí
Não precisamos de um novo metaverso. Ele já está aqui. Uma pesquisa da App Annie revela que os brasileiros passam, em média, 5,4 horas por dia usando dispositivos móveis. Apenas isso já é um terço das nossas horas acordadas. E ainda temos as mais de 7 horas diárias, em média, na frente da televisão (Kantar IBOPE Media). Então, ainda olhamos para o mundo real?
É preciso lembrar que a realidade pode ser fantástica. Veja o caso do fotógrafo Dmitry Kokh, que encontrou ursos polares na ilha abandonada de Kolyuchin, na Rússia. Tenho fascínio por lugares esquecidos no tempo e tudo fica mais interessante com animais no meio. As fotos parecem saídas do conto Cachinhos Dourados e Os Três Ursos.
Falando em lugares exóticos, viajar dá uma canseira antes mesmo da partida. Para fazer uma viagem de férias em fevereiro, precisei trabalhar o dobro em janeiro. Mas compensa. Viajar, ao mesmo tempo que nos abre para o mundo, abre-nos para nós mesmos. Como escreveu o filósofo Alain de Botton em A Arte de Viajar: “Existe uma relação quase fantástica entre o que está diante de nossos olhos e os pensamentos que podemos ter: reflexões amplas podem requerer paisagens vastas; novas ideias, novos lugares. Reflexões introspectivas suscetíveis a empacar são auxiliadas pelo fluxo da paisagem”.
Por fim, já ouviu falar no Dictionary of Obscure Sorrows? É um projeto que reúne palavras para descrever coisas que ainda não têm nome na vastidão selvagem do nosso interior. Minha palavra favorita nele é Sonder: a descoberta de que cada pessoa que passa tem uma vida tão vívida e complexa quanto a sua. Isso não é lindo?
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris
Uma coisa a se pensar é que sucesso não é fixo, assim como felicidade, realização, paz de espírito, etc. Partindo de uma métrica pessoal, como você sugere, podemos nos sentir realizados e "desrealizados" muitas vezes no decorrer de uma semana, e tudo bem. Seguimos buscando entender de onde esses sentimentos vêm e para onde eles querem ir.
Adorei o texto. Abraços!
Belo texto! Acabei não respondendo no insta, mas acho que agora penso em liberdade como métrica para o sucesso, que envolve até a liberdade de não seguir as métricas impostas =)