meu novo amigo: eu
Era só uma questão de tempo até acontecer comigo. Como Andy Warhol previu, todo mundo terá seus 15 minutos de dados roubados na internet.
Para mim, foi numa quinta-feira de manhã. De repente, pipocaram notificações de mensagem no celular, vindas de pessoas diferentes. É claro que isso não poderia ser bom. Já estava me preparando para desmentir alguma fake news de que morri ou coisa parecida, mas o motivo do alarde era bem mais trivial.
Familiares e amigos alertavam-me de que alguém se passava por mim e pedia para salvar um número novo. Era o famoso golpe.
Enquanto pensava em qual aplicativo teria vazado meus dados, achei interessantes os registros das conversas que me mandavam. A pessoa, quem quer que fosse, referia-se aos meus contatos da forma como eu falaria, incluindo os piores trocadilhos possíveis, e não da maneira como os nomes estavam salvos na agenda. Isso me assustou, pois apago todas as conversas e ninguém teria acesso a elas.
Mas o que me chamou mais a atenção foram as vírgulas. “Oi, fulano.” Os vocativos estavam todos corretos, como eu faria e faço mesmo em situações informais. Aí passou dos limites! Até poderia aceitar um golpe; o plágio, não!
Passaram-se alguns dias e mais relatos surgiram. Estranhamente, a pessoa nunca pedia dinheiro ou qualquer vantagem. Apenas dizia para salvar o número e nunca mais puxava assunto… como eu faria.
Esse golpe pareceu-me bem estudado, mas pouco inteligente. O elemento surpresa, a essa altura, fora perdido.
Tomado de curiosidade e desaforo, resolvi escrever para o número misterioso. Diria para desistir logo daquilo, porque meus contatos estavam todos avisados da trapaça. E, confesso, também queria descobrir como sabia meu jeito de conversar. Então digitei:
Olá, golpista. Tem nada melhor para fazer?
Ele respondeu somente:
Perdão?
Perdão. Perdão! O filho da mãe repetia até meu cacoete quando não entendo algo. Só poderia ser coisa de alguém que me conhece pessoalmente, o que me deixou ainda mais irritado.
Escrevi:
Quem é?
Ele:
Christian. Acho que isso é um engano.
A audácia do sujeito!
Eu sou Christian!
Eu também sou Christian.
Assim a conversa andou, beirando o completo absurdo. Ele não só dizia ter meu nome, como também morava em Florianópolis e trabalhava com comunicação. O maldito até elogiou a forma como eu colocava as vírgulas e as ênclises!
A farsa arrastou-se até tarde da noite e ambos decidimos resolver o impasse no dia seguinte, porque precisávamos acordar às seis da manhã. De brincadeira, salvei o número como Eu e fui dormir.
***
Pensei em diversos testes para desmascarar o impostor e acabei ainda mais confuso. No fundo, Eu tinha muito em comum comigo. Mais que isso, nosso jeito de pensar era parecido.
Até comecei a consultá-lo para validação externa e vice-versa. Eu comentava uma situação, contava como tinha agido e, em resposta, ouvia que estava certo.
Com o passar do tempo, chegamos a terceirizar os problemas um do outro para quem estivesse mais livre naquele momento. Eu era melhor que a inteligência artificial para isso. Eu também tentava ajudar em troca, formando assim um laço entre nós.
Até nos gostos mais peculiares concordávamos. O melhor filme de vampiro é, sem dúvida, Garota Sombria Caminha pela Noite. O melhor álbum de rock é At Fillmore East, de Allman Brothers Band. O melhor pesto é o de tomate seco. O melhor pintor francês, William-Adolphe Bouguereau. A maior poeta moderna, Wisława Szymborska.
No meio de tantas semelhanças, era uma surpresa maior o fato de nunca termos nos conhecido antes. Então, decidimos marcar um papo na cafeteria do Centro que serve o café do jacu, outro gosto em comum. Coincidentemente, marcamos numa quinta-feira.
Cheguei no horário combinado. Eu ainda não estava lá.
Havia uma única mesa de canto vaga e foi essa que peguei para garantir o lugar. Logo veio a garçonete e perguntou o que queria. Disse-lhe que esperava alguém. Eu devia estar a caminho.
Foram dez, vinte minutos de espera. Eu jamais atrasaria dessa forma. Será que havia esquecido ou confundido a data? Tive de perguntar por mensagem:
Marcamos hoje naquela cafeteria, certo?
Em questão de segundos recebi a resposta:
Exato! Já estou aqui.
Não era possível… Procurei o tempo todo. Eu não estava em lugar algum.
Onde você está?
Olhe para a esquerda.
Virei-me como Eu disse. Ao meu lado, na parede, só havia um espelho.
Quem nunca teve os dados roubados, não é mesmo? O que fez quando se passaram por você?
playlícia
Fazendo jus ao nome desta seção, tenho orgulho de finalmente compartilhar uma playlist que elaboro há seis meses.
De tanto ouvir samba, comecei a identificar temas que se repetem e um deles é a comida. A gastronomia brasileira é vasta e as letras refletem isso.
Mas nessa playlist também há rock, baião, salsa (literalmente e musicalmente), entre outros gêneros.
As únicas regras são:
A comida, a preparação ou o ato de comer precisa ocupar pelo menos um refrão da música. Não basta ser apenas um verso, como em Café da Manhã (Erasmo Carlos, Roberto Carlos).
Não vale a comida como metáfora. Um exemplo disso são os sabores em Tropicana (Alceu Valença). Quero o comer pelo comer.
O resultado dessa pesquisa está em Música Brasileira de Comer. São quatro horas de banquete. Bom apetite!
vi por aí
A vida anda uma canseira desgraçada. Naquela de só ser pago para escrever coisas que não quero, acabo sem tempo para escrever o que desejo e pôr a leitura em dia. Mas um dos últimos livros que li está fazendo sucesso merecido. As Despedidas, de Carina Bacelar, foi um dos vencedores do Prêmio Mozart Pereira Soares 2023. Essa é, de fato, uma narrativa curta com efeitos duradouros.
Você se estressa até mesmo quando descansa? Esse fenômeno, chamado stresslaxing, é mais comum do que parece, de acordo com um texto da plataforma Gente. Sim, o chapéu também me serviu.
Se tem uma pessoa que merece reconhecimento público é aquela que abre oportunidades para os outros. Aqui em Santa Catarina, um desses caras é o Demétrio Panarotto, professor, músico, roteirista, escritor, realizador de eventos e o escambau. Neste mês, tive a alegria de ir ao lançamento de Navalha, novela dele publicada pela editora Traços e Capturas. O projeto está lindo!
Tem um livro de contos ou de poemas na gaveta? O 1º Prêmio Com.Tato De Literatura Independente pode materializar seu sonho de publicação. Ao todo, serão cerca de R$ 21 mil em prêmios, incluindo publicação, exemplares, assessoria e cursos.
Depois que vi este vídeo de Patrick Willems, estou num clima: basta de conteúdo, eu quero é arte!
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris
vc tb tem uma playlist comestível!! tá um arraso! tenho uma q faço há tempos, mas sem restrições regionais. aqui vai! https://open.spotify.com/playlist/5NDVaQAk7Kt5aDFrXvoH7F?si=4f3fde5bed3b403c
Delicioso como sobremesa que se come com a colherinha virada, pra durar mais.