meu maior medo
Buuu! Estamos perto do Dia das Bruxas, então vou contar sobre meus medos bobos, que nada têm a ver com Maiara & Maraisa.
Por exemplo, tenho um grande medo de encontrar amendoim no meio da comida. Mas não porque eu seja alérgico, apenas detesto o sabor.
Até aí tudo bem. O problema mesmo é o temor de viajar no tempo de um modo bastante específico: voltar para a infância com a consciência e as lembranças que possuo hoje.
“E assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado.” F. Scott Fitzgerald em O Grande Gatsby
de volta aos doze
Imagine que eu, certa manhã, acorde de sonhos intranquilos e encontre-me em minha cama transformado na minha versão de 12 anos. O pior é que me lembro de ter ido dormir como um homem de 32.
Levanto-me desesperado na casa de minha infância. Ao redor, tudo está calado, o dia ainda não raiou. Vou ao banheiro lavar a cara para tentar sair desse pesadelo e vejo, pela primeira vez desde os 17, meu rosto sem barba. Jogo litros de água em mim e continuo preso à cena.
A torneira aberta dá vontade de mijar. Abaixo a calça do pijama e vejo que meu pinto está menor, então fico triste, muito triste. Tiro água dos olhos e do joelho ao mesmo tempo.
Mas é preciso ser prático! No calendário na porta da geladeira descubro que o ano é 2001 e estou em agosto. Nessa época, eu estudava de manhã ou à tarde? Procuro minha mochila e vejo na agenda que estudo pela manhã. Opa, preciso me arrumar!
De algum modo, consigo me virar na primeira semana como criança. Falo pouco para não chamar atenção na escola e até engano a mãe para não me servir carne no jantar. Vai ser difícil explicar para ela que, aos 12, sou vegetariano há 15 anos.
A maior dificuldade é me habituar ao novo velho corpo. Calculo mal a distância para pegar objetos ou acho que vou bater a cabeça em coisas muito mais altas que eu. Também tropeço com certa frequência.
pode piorar
Durante as aulas, fico pensando nas implicações dessa realidade. Posso dizer adeus ao sexo por muitos anos, disso tenho certeza! Mesmo quando eu tiver 18, serei um homem com mentalidade de 38 no meio de crianças, então vou ter de procurar sugar mommies para me relacionar.
Longe da vida amorosa surgem outras urgências:
Como posso usar essa situação para ficar rico e não precisar trabalhar?
Como vou ouvir meus discos favoritos se muitos ainda não existem?
Como posso evitar que Bolsonaro vire presidente?
Em 2001 eu não tinha internet em casa, quem dirá um smartphone, então procuro no computador da biblioteca por ações da Amazon durante o intervalo do recreio. Mas ninguém vai acreditar nos conselhos financeiros de um guri de 12 anos. Droga, eu deveria ter memorizado alguns resultados da Mega-Sena de cada ano!
“Quem não se sente atraído pelo próprio passado?” Mario Benedetti em A Trégua
Chega sábado e tenho tempo para refletir melhor. Devo contar o segredo? Vão achar que estou louco? Como provar o que aconteceu?
Talvez eu possa entregar um envelope selado para a mãe escrito: ABRIR NO DIA 11 DE SETEMBRO. Infelizmente, eu não poderia evitar a tragédia em si.
De noite, o telefone toca. A mãe atende, enquanto continuo perdido em meus pensamentos. Dali a pouco ela me chama: Vem falar com seu pai!
Fico branco, meu estômago embrulha, meus cambitos tremem. Ando tão ocupado com o futuro que me esqueci do presente. Aos 12, meu pai ainda está vivo; aos 18, não estará mais.
Mesmo separados, a mãe e o pai se falam por telefone todo final de semana. Às vezes dou um alô a contragosto, então sinto que o perdi muito antes da juventude. Isto é, eu me perdi dele.
Pego o telefone e chamo “pai?” com um nó na garganta. Ele diz “oi, amigo!” como de costume e não consigo segurar as lágrimas.
Acontece que voltar ao passado seria viver entre fantasmas. Não só o de meu pai, como também de meus avôs, de muita gente que passou pelo caminho e ainda outro, o maior de todos.
Talvez por isso regressar à infância seja o meu maior medo. Porque seria, a cada instante, confrontar o fantasma de tudo que poderia ter sido.
Taí um belo exercício de imaginação. O que você faria se acordasse de volta na infância?
playlícia
A melhor amiga do home-officer é a trilha sonora. Isto é, quando dá para ouvir alguma coisa além da Makita ou jato d’água do vizinho.
Nesse sentido, há quem consiga trabalhar ouvindo podcasts, até assistindo a vídeos. Eu não. Meu negócio é música. Quanto mais instrumental e abstrata, melhor.
Se você também tem esse costume de ouvir algo de fundo enquanto produz, fiz uma playlist para ajudar. Ela se chama: Foco aí nessa caceta!
vi por aí
Nos meus dois primeiros anos como vegetariano eu tinha um pesadelo recorrente. Nessas fantasias inconscientes, ingeria carne sem querer e acordava assustado por causa disso. O curioso é que nunca fui contra comer carne; é, sobretudo, uma escolha pessoal. Inclusive, achei divertidíssima a história do cara que provou pela primeira vez já adulto.
Tudo em francês é mais chique, até pegadinhas do cérebro. Um exemplo disso é l'appel du vide, ou chamado do vazio. Esse é um fenômeno estudado pela ciência, que ocorre quando a pessoa está num lugar alto e a mente avisa: cuidado aí, você pode querer se jogar sem motivo algum. Na verdade, é um mecanismo de precaução contra acidentes racionalizado posteriormente como esse impulso de pular. Loucura, loucura!
E o medo de errar? “O imediatismo da correção não é aliado na hora da criação.” Esta reflexão da Sybylla é muito importante para quem trabalha com escrita. É preciso priorizar o fio da meada aos detalhes individuais do texto.
Para finalizar, que tal fazer uma maratona de clássicos de terror? Muitos filmes excelentes são de domínio público e podem ser facilmente encontrados. O Gabinete do Dr. Caligari, Nosferatu (1922), Fausto (1926), M. O Vampiro de Düsseldorf, A Noite dos Mortos-Vivos (1968) e outros estão disponíveis pela internet.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris
Gostei muito do texto Chris. Me levou de volta pra virada do milênio sem tanta tecnologia, internet discada hehe… e para as pessoas que perdemos. Acho que se voltasse aos 12 anos com a cabeça de hoje faria vídeos da minha avó pra me lembrar da voz dela, me angustia ter esquecido sua voz. Gravaria as histórias que ela me contava de tarde, entre a soneca e a melancia que comíamos juntas. Talvez desse menos importância às inseguranças. Tão longe mas tão vívido :) apesar das perdas, gosto dessas recordações.
Li entre risadas, identificação e a vontade de te dar um abraço!
Tenho horror a essa ideia de voltar no tempo também, me parece um tipo específico de tortura.
Playlist salva com sucesso! Especialmente se estiver escrevendo, só consigo ouvir música se for instrumental.
Obrigada pelas palavras, tem sido ótimo começar os sábados quinzenalmente com elas!
P.S: criar um grupo de recém vegetarianos que sonham estar comendo carne e acordando assustados!