a invenção que mudou tudo
Em algum momento dos últimos milhares de anos, nossos ancestrais inventaram algo sobrenatural: a ficção.
Talvez seja impossível saber exatamente quando o fizeram. Mas dá para arriscar. O instrumento musical mais antigo registrado é de 50.000 ou 60.000 anos atrás, a pintura figurativa mais antiga data de 45.500 anos atrás e surgiram há 35.000 ou 40.000 anos as primeiras estátuas.
A ficção provavelmente apareceu nesse período Paleolítico, diria que entre 50.000 e 100.000 anos atrás, portanto muito antes dos registros textuais sobreviventes da Suméria e do Egito, a partir de 2.600 a.C. Mesmo nessa época, a literatura escrita atinha-se aos costumes: as vidas dos soberanos e oficiais, lições de sabedoria e textos cerimoniais. A ficção era um capricho da fala, já que registrar a palavra exigia recursos inacessíveis à maioria das pessoas.
“Você não deve brincar com uma jovem casada. A difamação pode ser grave.” — Instruções de Shuruppak, de 2.600 a.C.
O primeiro texto com elementos ficcionais de que se tem conhecimento é a Epopeia de Gilgamesh, cujas tábuas mais antigas são de 2.100 a.C. Mas a história reúne lendas bem anteriores, passando de boca em boca durante séculos, reunidas no balaio da memória e editadas pela imaginação.
Entretanto, ainda fica a dúvida: como a ficção foi inventada?
aumento mas não invento
Hoje, inventar uma história que não existe é a coisa mais simples. Inclusive, há pessoas obcecadas por inventá-las: tais indivíduos são chamados escritores ou mitômanos.
No entanto, para aqueles homens e mulheres de outrora, a possibilidade de contar algo que não existia deve ter sido uma surpresa. As primeiras histórias da História com certeza foram reais e, como especula Lee Child, de caráter didático.
A tradição oral do Paleolítico devia consistir principalmente de instruções: como caçar um mamute, como tirar sarro de um Neandertal, como fazer instrumentos em pedra e ossos, onde ir e onde não ir.
Podemos imaginar que havia boas razões para o gênero “Não Ficção” ser o best-seller daquela época. A expectativa de vida era de 25 anos, mais ou menos, e os perigos da Terra exigiam atenção em tempo integral. Se aqueles Homo sapiens vivessem no mundo da lua, talvez não estaríamos aqui para contar a história.
É por isso que a ficção deve ter surgido pelo mesmo motivo da não ficção. Era uma questão de sobrevivência.
a primeira história da história
Para mim, foi uma mulher que criou a primeira história de ficção.
Era uma vez, há milhares de anos, um grupo de mulheres responsáveis por cuidar das crianças do bando, além de coletar recursos e cozinhar. Os pirralhos, como os de hoje em dia, não davam sossego e queriam porque queriam zanzar por aí. Então, uma das mulheres gritou com a molecada no auge do seu cansaço:
— Urso perto! Crianças dentro caverna! — e lá se esconderam com medo do urso que não rondava por ali.
Assim nascia a ficção, graças a uma mulher que percebeu o potencial de contar algo além do que seus sentidos percebiam.
O segredo foi passado para muitas gerações de mulheres, que protegeram crianças de perigos inventados ou reais. Os homens, mais lentos, só entenderam a artimanha tempos depois.
Então, num bando prestes a perecer de fome, certo jovem queria convencer os demais a explorar terras ou águas que não ousavam atravessar à procura de comida. Para isso, ele contou a história de uma ave que lhe trouxera daquela direção o fruto mais delicioso e mais revigorante, que devorara sozinho. Curiosos, os membros do grupo partiram com ele pela estrada não percorrida. O que encontraram de fato pouco importa.
Isso marcou uma nova era na humanidade. O mundo palpável já não era o bastante para nossas pretensões, para nossa sobrevivência.
Milhares de anos depois, ainda nos agarramos à ficção por razões bastante parecidas. Ela nos alerta dos perigos do mundo, ao mesmo tempo que nos dá esperança de que algo melhor possa haver mais além.
Esse texto foi muito divertido de preparar, pois sou fascinado pela Pré-História. Foi bom para você?
playlícia
Músicas com nomes de pessoas costumam dar o que falar — ou o que incomodar. As vítimas mais recentes foram os Pedrinhos de todo o Brasil, como já foram as Anna Júlias, as Renatas, as Julianas e tantas outras pessoas.
Mas, se a música é boa, a gravação acaba sendo um elogio. Eu mesmo tenho um gênero inteiro dedicado a mim, Christian Music, e já compus uma chamada Girassol de Julia.
Agora fui atrás de um nome bem popular, Maria, e selecionei as mais agradáveis entre centenas de faixas. María, para quem não sabe, também é o nome da estrela de Passagem para Lugar Nenhum. Assim, essa playlist serve de homenagem para ela, tão latina.
Ouça Playlist para María no Spotify ou no Tidal. Depois me conte quantas músicas você já conhecia.
vi por aí
Minha ideia original para esta edição era falar sobre a descoberta do café pelos povos das cavernas. Mas, para minha surpresa, o primeiro registro de pessoas bebendo café é apenas de 1414. Supostamente, o potencial energético dos grãos foi descoberto por um pastor de cabras na Etiópia ao perceber que elas não dormiam à noite após comer certa frutinha vermelha. O resto é história.
“Isto é água.” As coisas mais óbvias também guardam grandes lições, talvez até mais fugidias. É por isso que volta e meia releio o discurso de David Foster Wallace, Isto É Água. “É inimaginavelmente difícil fazer isso, se manter consciente e vivo no mundo adulto dia após dia.”
Outro discurso brilhante é o da poeta Wislawa Szymborska ao receber o Nobel de Literatura, em 1996. O texto tem o humor típico dos poemas dela e uma frase inicial que desarma qualquer plateia: “Dizem que a primeira frase de um discurso é sempre a mais difícil. Bem, ela já ficou para trás”.
A frente “Vamos Juntos Pelo Brasil”, encabeçada por #LulaNoPrimeiroTurno, lançou durante a semana uma plataforma colaborativa para receber propostas do povo. Lá constam 121 diretrizes para a campanha e futuro governo. Você pode participar em programajuntospelobrasil.com.br.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris