errar é preciso
Tudo começou com um vídeo do Nerdstalgic sobre os tipos de diálogos que encontramos nos filmes. Então fiquei matutando o fato de aceitarmos naturalmente que na ficção as pessoas sejam tão intencionais nas suas falas. Ninguém sequer emenda um “ããã” entre um pensamento e outro ou fala por cima dos demais.
Mas alguns cineastas, como Noah Baumbach, conseguem reproduzir diálogos da matéria bruta da vida. Pense em Frances Ha ou História de um Casamento. Essas trocas espontâneas nos colocam diante da ação em si, e não de um mero registro dela. É um cinema amigo, próximo.
“O naturalismo no diálogo diz respeito a escrever com o erro humano em mente. Às vezes, simplesmente falhamos ao comunicar.” Nerdstalgic no YouTube
the bigger picture
Para além dos diálogos, erros são tão importantes quanto virtudes na criação de personagens memoráveis. Eles podem nos provocar, nos contrariar e até nos revoltar, mas nos prendem à história. A ficção precisa de fricção. O drama de Orgulho e Preconceito não seria o mesmo sem o paumolismo arrogante de Mr. Darcy.
Mas há parte do público que realmente se incomoda com más decisões, indecisões, falhas de caráter e afins. Será que por uma projeção excessiva de si na história, como se ela estivesse acontecendo em sua vida?
Fico imaginando alguém que lê Édipo Rei pela primeira vez e pensa: Que coisa estapafúrdia, eu não comeria minha mãe!
Como espectadores e leitores, temos uma relação para lá de estranha com as obras. Ao mesmo tempo que desejamos nos embrenhar na narrativa, não podemos nos esquecer de que esse não é o nosso mundo — é o da história. E isso envolve um bocado de aceitação de nossa parte. Nesse sentido, talvez a verdadeira falha de uma narrativa seja contrariar as regras de um universo que aceitamos. É uma traição.
De resto, errar é bem-vindo, errar é humano, errar é preciso. O desafio ao criar é errar de forma consciente.
“Os meus erros são mais do que meros acontecimentos, eles são parte de mim e formam a minha identidade. Se eu quisesse consertar o passado, já não seria eu, e esse outro sujeito com certeza arranjaria novas formas de errar que o definiriam de tal ou qual maneira.” Efraín em Passagem para Lugar Nenhum
Cá entre nós: quais são seus personagens errados favoritos?
falando em erros
Eu devia ter oito anos na época, década de 1990 ainda. Certo dia, a mãe me pediu para ir ao armazém no fim da rua, desses das antigas, mistura de quiosque, açougue, verdureira, R$ 1,99, bar, sinuca e banca de jogo do bicho. A tarefa era trazer 30 ovos, só isso. Fácil, muito fácil. Mas vou lá e trago 30 batatas.
Aos oito anos eu era especialmente franzino e carregar nos braços as sacolas de batatas não foi nada fácil. Tive de fazer algumas paradas no caminho. Quando entrei em casa, orgulhoso do meu grande feito de buscar as 30 batatas para minha mãe, fui recebido com uma dura lição de vida.
— Batatas?! Eram ovos! Agora volta lá.
Ela riu, é claro. Pôs a batatada numa mala para ajudar na viagem e tudo. Então, carimbado o passaporte de minha patetice nesta existência, parti novamente rumo ao armazém.
Hoje uso o aplicativo Google Tarefas no celular para fazer listas de compras. Lição aprendida.
playlícia
A década de 1970 é minha favorita quando o assunto é música. Aqui, reuni dez discos de mulheres dessa época como recomendação.
Acredito que não estou sozinho nessa paixão. Naquela lista de 2007 dos 100 maiores discos da música brasileira, organizada pela Rolling Stone Brasil, nada menos que 50 álbuns eram dos anos 1970. Eles também são maioria nos rankings gringos. Então, o mais difícil não foi pensar em dez indicações, mas limitar a apenas dez:
Carole King — Tapestry (1971)
Gal Costa — Fa-Tal - Gal a Todo Vapor (1971)
Joni Mitchell — Blue (1971)
Françoise Hardy — La question (1971)
Aretha Franklin — Young, Gifted and Black (1972)
Elis Regina — Elis (1972)
Elza Soares — Elza Soares (1973)
Clara Nunes — Alvorecer (1974)
Janis Ian — Between the Lines (1975)
Maria Bethânia — Álibi (1978)
Bônus: criei uma playlist no Spotify com 20 faixas desses e de outros discos do gênero.
vi por aí
Comprei e comecei a ler Olhos D’Água, de Conceição Evaristo. A autora esteve no programa Roda Viva de 6/9/21 e refletiu uma passagem emblemática do livro, presente no conto A gente combinamos de não morrer: “Escrever é uma maneira de sangrar… Determinados textos eu escrevo chorando”.
Falando nisso, “Mulheres negras escrevem o mundo” é um texto de Thaís Campolina que une as leituras da antologia Poetas Negras Brasileiras e de A vulva é uma ferida aberta & Outros Ensaios. Thaís me despertou a curiosidade de descobrir essas autoras.
A história de Ana Jansen (1787–1869), a “Donana, Rainha do Maranhão”, daria um interessante filme de terror. Reza a lenda que ela passa numa carruagem fantasma por São Luís, penando pelas atrocidades cometidas em vida. O fato é que foi uma mulher à frente do seu tempo, líder política e comerciante bem-sucedida, a dúvida é a que custo teria conquistado isso.
Aliás, o Brasil é um país farto de horrores, mas só conheço os filmes do Zé do Caixão e O Segredo da Família Urso no cinema de terror nacional. Agora fui atrás de uma lista com 18 títulos brasileiros para ver.
agenda do chris
Fique por dentro dos próximos eventos:
Domingo: tentar não surtar
Segunda: tentar não surtar
Terça: tentar não surtar
Quarta: tentar não surtar
Quinta: tentar não surtar
Sexta: tentar não surtar
Sábado: tentar não surtar
Por hoje, como diriam os Looney Tunes: acabou, pessoal! Mas na próxima quinzena tem mais.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição do Newslenta.
Um abraço do Chris