caipirinhas no apocalipse
Isto sim é vida!
Todos os filósofos estavam errados, agora eu sei. O verdadeiro propósito da existência é tomar caipirinhas em Maragogi.
Águas cristalinas e quentes, um dia ensolarado como este, um copo cheio em mão, sozinho com meus pensamentos… E nada de prazos, e-mails ou mensagens no grupo do condomínio. Nenhuma lista de mercado para comprar ou pia para lavar. Ninguém para incomodar ao lado. Zero preocupação exceto se a próxima caipirinha será de caju, seriguela ou limão. Pode haver algo melhor?
Estava tão inebriado nesse sentimento que sequer reparei no primeiro clarão riscando o céu azul. Só ouvi um estrondo feito trovão. Olho para cima e não vejo nuvem alguma, apenas três cometas passando muito próximos da Terra.
Que espetáculo, cometas e tudo! Peço para ficar assim em Maragogi para sempre.
caju
Logo em seguida, três estrondos ao longe fazem a praia tremer. O garçom que me trazia uma caipirinha de caju quase derruba meu copo. Por sorte, evito um acidente maior, salvando a metade.
Até o mar de Maragogi, antes tão manso, agora faz onda. Um bafo quente do horizonte arrasta uns quantos chapéus de repente. Só então me dou conta: como dois e dois são quatro, os tais clarões caíram no planeta.
Meteoros? Bombas nucleares? O apocalipse? Não importa, nada estragaria minhas férias.
O caju é um veludo sobre a língua. Sinto-me exatamente assim, aveludado por fora, imune a todo transtorno. Quem precisa trabalhar o dobro para tirar uns dias de descanso pode dar-se ao direito.
Nada ficaria no meu caminho de aproveitar a merecida folga, não fosse a multidão de curiosos que se reúne à minha frente na praia. Mas sobre as cabeças consigo entender o porquê da comoção. Mais longe que a distância, ergue-se um pilar de fumaça em bom tamanho, uma Torre de Babel nebulosa chegando ao céu sem muito esforço.
A situação que tenho em mãos é realmente grave. Acreditam que já acabou minha caipirinha? Aceno ao garçom que acompanha a cena e peço outra, desta vez de seriguela. O fim do mundo pode esperar.
seriguela
A seriguela é uma fruta de paladar aberto, ligeira que só, boa para deixar a língua esperta. Tanto que começo a notar um gosto de enxofre no ar, como se tivesse lambido um palito de fósforo.
A multidão que se espremia à beira-mar aos poucos foge para os hotéis, para os carros, para qualquer lugar coberto. Eu continuo aqui. O céu agora está meio avermelhado, é verdade, mas não parcelei a viagem em seis vezes para ficar trancado.
Lentamente, a praia fica toda para mim. Aproveito para pegar o celular e postar a vista no Instagram. Tenho até a legenda perfeita para isso: It’s the end of the world as we know it…
Diacho que o aparelho não funciona! Está tolo, sem controle. É uma pena, porque o céu fica mais bonito enquanto se avermelha. Ainda mais com essa muralha d’água subindo na linha do horizonte, minha nossa, que cena mais bela!
Sem celular, percebo que também não posso mandar mensagem para alguém. Para quem? E o que diria? Na praia vazia percebo o tamanho da minha solidão. Vim para ficar distante de tudo, sobretudo de mim mesmo, mas o fim sempre tem um jeito de colocar a gente diante do espelho.
Não gosto do que vejo. Isso não estava no pacote que comprei. Em desgosto, viro o resto do copo num só gole.
limão
Nem os garçons permaneceram na praia. Maragogi é um imenso deserto vermelho.
Tenho o trabalho de ir até o bar fazer mais uma caipirinha para mim. Sem saber onde estavam as frutas típicas, preparo com limão. Mas um clássico é um clássico…
O limão é a verdade frutificada, a mais sincera entre as coisas que Deus criou para colocarmos em drinques. Mesmo com todo o açúcar que usamos para cobri-lo, ainda é essencialmente azedo.
Então, sento-me só na praia. E sinto-me só. Somente só.
A parede d’água aproxima-se, o céu escurece e vira fumaça. De que me valeu a vida se cheguei tão longe para morrer sozinho? A arte nos liberta da morte, pensava até ontem. Mas, se não restar alguém para contemplar a obra, essa é a morte morrida.
Maragogi era minha fuga nem que por um instante. Agora engulo a verdade que fugia de mim: nos últimos segundos não há refúgio senão uns nos outros e quem escapa a isso nada tem.
Abraço o apocalipse porque não tenho mais esperança a que abraçar. Contudo, no fim, um último pensamento conforta-me: não precisarei pagar o cartão de crédito.
Invencionices à parte, a cidade de Maragogi com suas tantas praias realmente vale a visita.
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playlícia
Em 2022 nos despedimos de grandes estrelas da música, mas cuja luz ainda há de brilhar por muito tempo.
Por outro lado, recebemos de presente tantos novos sons que valem a pena ser ouvidos. Nesta playlist, selecionei faixas dos lançamentos que mais me marcaram. Escute O som de 2022.
vi por aí
Em passagem por São Paulo, tive a oportunidade de bajular e pedir autógrafos de duas autoras que acompanho. Tatiana Lazzarotto lançou “Quando as árvores morrem” pela Claraboia. Já Aione Simões publicou “Um salto para o amor” pela Harlequin. Fica o conselho: paparique as autoras de que você gosta.
Meu destino, na verdade, era o Recife. E não dá para falar do Recife sem falar de Francisco Brennand, cujo pirocão (chamado Torre de Cristal) é cartão-postal da cidade. Mas o grosso da obra dele, com o perdão do trocadilho, está na Oficina. Como disse a artista e professora de História da Arte Maria do Carmo Nino em um perfil na Folha de Pernambuco: "A melhor maneira de ver Brennand é na Oficina, pela quantidade, pelo acúmulo, pela espécie de obsessão criativa que ele tinha e que impressiona".
Se você ainda não ouviu falar do ChatGPT, sorte a sua. Para quem precisa encarar a automação da escrita por meio da inteligência artificial, comentei no Medium por que este não é o fim dos profissionais de redação.
Para uma discussão mais aprofundada sobre inteligência artificial, a entrevista de Joe Paton à Shifter levanta algumas questões interessantes. “O próprio nome ‘Inteligência Artificial’ é aspiracional, porque ainda não o atingimos”, ele diz.
Chegou aqui nem sabe como? Fique para um café com bolo na próxima edição da Newslenta.
Um abraço do Chris
Adorei o texto! Interessante como você conseguiu demonstrar toda a importância da viagem pro viajante mesmo diante do fim do mundo. Torci por ele, esperando que a tal onda fosse apenas uma miragem provocada pelo álcool.
Adorei o texto das caipirinhas e os estágios de sabores do apocalipse!