10 histórias curtas para ler no banheiro
porque sei que você leva o celular para a privada, não adianta negar.
Mulheres que correm com os mortos
Minha cidade produziu mais uma dessas histórias de que só ela é capaz. Pelo que entendi da notícia, uma mulher — vamos chamá-la Amanda — estava cansada de lidar com o assédio masculino durante as corridas matinais. Então, Amanda decidiu correr onde não houvesse vivalma para incomodá-la. O cemitério surgiu-lhe aí como uma escolha apropriada, ainda que peculiar. O local é todo cercado por muros altos, tem um único acesso e, francamente, não é muito convidativo para quem está de fora. Mas, para as Amandas como ela, decididas, ser um lugar que despertava medo nos outros apenas lhe dava mais segurança. A ideia espalhou-se primeiro entre as amigas, depois entre as amigas das amigas, e logo o cemitério estava cheio de vida. O problema foram as reclamações do barulho; não vindas dos mortos, é claro, e sim dos vizinhos. Choveram ligações para a polícia com relatos assustados de gemidos e ofegos atrás dos muros. Contudo, não havia como prender os supostos fantasmas. O caso chegou à prefeitura, que prontamente assinou um decreto proibindo atividades relacionadas à saúde no cemitério. As corredoras que fossem a outro lugar. Sobre o assédio nas ruas e nos parques, no entanto, não encontrei qualquer notícia a respeito.
Mudança de direção
Lamentamos informar que o Grupo de Ninfomaníacos Anônimos de Feira de Santana cancelou, permanentemente, as atividades após repetidas quebras de decoro durante as reuniões. Por outro lado, temos o prazer de convidar a todos, todas e todes para o primeiro encontro do Grupo de Swingers de Feira de Santana. Será no Clube Tropical, neste sábado, a partir das 21h. A entrada custa R$ 50 (comida inclusa).
Vacilo Vacilovich
Vacilo Vacilovich não é um homem particularmente inteligente, engraçado, agradável aos olhos ou mesmo bem-quisto pela própria mãe. Filho de mujiques, ganha a vida como cocheiro por se entender melhor com os cavalos. Certa vez, ao transportar um renomado escritor russo, o parvo passou sobre uma poça, emporcalhando o traje do estimado passageiro.
— Vacilo! — gritou o escritor.
O cocheiro apenas relinchou uma resposta qualquer, como se aquele terrível acidente fosse uma trivialidade. Mas os autores, como os elefantes, têm memórias longas e o marfim penetrante dos tinteiros.
É justo que o escritor não tenha poupado tinta ao descrever Vacilo Vacilovich em um de seus textos. Mas aquilo irou o desgraçado do cocheiro, que resolveu vingar-se. Posso ouvi-lo, numa noite como esta, quebrar a vidraça da residência e trotar pelos cômodos até encontrar o gabinete onde o erudito escreve. A violência dos gestos, a respiração reverberada pela raiva, a baba expelida enquanto grita, tudo isso é muito nítido para mim. Neste exato momento, Vacilo Vacilovich ataca o literato com um golpe brutal antes que termine o
Sem repeteco
Furo de reportagem do Portal da TV:
O programa “Masterchef: Canibais” não será renovado para a segunda temporada. Nos bastidores, dizem que o motivo é a alta rotatividade dos julgadores. “É difícil avaliar um prato quanto você é um dos ingredientes”, comentou uma das fontes ouvidas pela matéria.
Mal-entendido
Terminou em pancadaria o 1º Seminário de Escatologia organizado pela Pontifícia Universidade Maranhense (PUM). Enquanto um grupo discutia as diferentes teorias sobre o fim do mundo, outra parte da audiência queria jogar bosta nos participantes. A situação só foi resolvida com a chegada do delegado Aurélio Houaiss ao local. Felizmente, não houve maiores feridos.
Tudo tem limite
Tenho uma tia que adora engatar namoros e separar-se em igual medida. Mesmo a conhecendo há tanto tempo, ela ainda me surpreende pelas razões para terminar os relacionamentos.
O último namorado, por exemplo, até que durou além do esperado, apesar de ela ter me cochichado certa vez num almoço em família: “cuidado que ele é viciado em roubar coisas”.
Dois meses depois, ela reapareceu solteira. Demonstrei então meu alívio por ter se livrado de um homem que roubava por compulsão.
“Roubar?”, ela pareceu confusa. “Ah, isso não! Eu que entendi errado. Ele me disse que era Clapton maníaco. Quando me dei conta, fui obrigada a terminar com ele. Posso perdoar muita coisa, mas odeio Eric Clapton.”
A cópia da cópia
A pós-modernidade tornou a ficção obsoleta, porque os escritores já não são mais capazes de superar a realidade com alertas, críticas ou anedotas. Tudo que pode acontecer não precisa mais de roteiro, como este caso que ocorreu no último final de semana, na cidade do Rio de Janeiro.
Veja bem, não é de hoje que os brasileiros têm uma curiosa atração por sósias. Só o Brasil poderia promover um encontro, à guisa de humor, entre Barack Obama e Osama bin Laden. Os sósias no país alcançam mesmo o status de celebridade, são convidados para dar entrevista na televisão, participam de campanhas publicitárias e têm a presença disputada em eventos.
Mais recentemente é que a coisa tomou um rumo absurdo para os padrões brasileiros. A demanda por sósias tornou-se tão grande que daí surgiu um novo mercado: os sósias dos sósias. Eles são a moda do momento, pois menos concorridos e mais econômicos que os sósias verdadeiros. Quem soube aproveitar essa tendência foi o sósia do sósia do Ronaldinho Gaúcho, que cobra R$ 1 mil para aparecer nas festas cariocas.
Aconteceu então de uma famosa casa noturna contratá-lo na última semana e, por essa típica ironia pós-moderna, o Ronaldinho Gaúcho original apareceu ao acaso minutos antes do figurante contratado. Conforme o relato dos frequentadores, o gerente veio recebê-lo à porta, meio desapontado, dizendo:
— Cê não é tão parecido com o cara, mas dá pro gasto. Bora lá que o povo tá esperando!
Mais Você, Virginia Woolf
Juliana sonhava. Via-se como escritora renomada, e não como a secretária de dentista que de fato era, cercada por revistas Caras de três anos atrás, compartilhando as manhãs com o som das brocas odontológicas e a voz de Ana Maria Braga na televisão do consultório. Poderia muito bem ser a nova Virginia Woolf se tivesse um teto todo seu para escrever. Em meio ao trabalho, às aulas da faculdade e às horas perdidas de lá para cá, não sobrava nem tempo nem energia para arranhar o papel. Apenas lia escondida entre a chegada de um paciente e outro, logo sendo interrompida pelo interfone. Lia e sonhava com prêmios, palestras e entrevistas sobre obras que sequer saíram de sua cabeça. “Então, Juliana, conta pra gente como é ser cotada para o Nobel de Literatura?”, perguntavam-lhe durante um café da manhã na televisão. Juliana sonhava. Levou algum tempo para entender o interfone tocando, enquanto Ana Maria Braga dizia na televisão: “Acorda, menina!”.
Rinha de leitores
— Li 200 livros este ano!
— Pois eu li 50 só neste mês!
— Li toda a Tetralogia Napolitana no almoço.
— Guerra e Paz? Li durante uma cagada.
— Li Os Irmãos Karamazov quando tinha 7 anos.
— Fui alfabetizado com Grande Sertão: Veredas.
— Li As Mil e Uma Noites em árabe.
— Traduzi Ulisses só por diversão.
— Virgílio me apareceu em sonho e declamou a Eneida.
— Fui leitor beta da Ilíada.
— Borges se inspirou em mim para a Biblioteca de Babel.
(Continua…)
Divórcio
De segunda a sexta, Otávio se despedia da esposa pela manhã, pegava o trânsito de São Paulo, deixava o Land Rover blindado no estacionamento próximo à agência de publicidade em que era um dos sócios, comprava no Starbucks da esquina um Caramelo Machiatto Venti e seguia para o escritório. Mas, naquela quarta-feira, foi surpreendido por um andarilho na porta da cafeteria, um tipo meio profeta, meio bebum.
— O senhor achava melhor ter um milhão de real ou uma rola grandona? — disse o estranho.
— Desculpa, estou sem… O quê?!
— Um milhão de real ou uma rola grandona?
Otávio ficou perplexo. Riu de nervoso, esboçou uma resposta ferina, mas gaguejou e saiu ainda mais humilhado. Atrás de si, outro cliente pedia passagem. Otávio virou-se por um segundo para abrir caminho e, logo, o bêbado havia tomado chá de sumiço.
O empresário teria uma agenda cheia de reuniões naquele dia e pouco tempo para refletir sobre tal delírio, mas a pergunta o acompanharia como um sapato apertado. No escritório, viram-no lívido e aéreo durante as apresentações aos clientes. Parecia doente. Mal sabiam que ele pensava em rolas grandonas.
À noite, entrou cabisbaixo no seu apartamento na Vila Nova Conceição, despiu-se defronte ao espelho e contemplou-se nu, longamente, enquanto a esposa esquentava o jantar que a cozinheira havia preparado.
A refeição ocorreu em silêncio na maior parte do tempo. Mas, na terceira taça do vinho Bordeaux 2016, Otávio já não podia guardar aquela história dentro de si. Contou à mulher o misterioso encontro. Ela quis saber:
— E o que você respondeu?
— Responder o quê, Susana? O que era pra eu ter respondido?!
— Também não precisa ficar nervoso, né. Era só um mendigo delirando.
Otávio fumou um charuto na varanda gourmet para acalmar-se. Mais tarde, ele e a esposa fizeram o amor protocolar das quartas à noite. Então, no silêncio entre o sexo e o sono, Susana deixou escapar, distraidamente:
— É, acho que dinheiro não falta…
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playlícia
Três discos para ouvir neste verão:
Angélica Garcia — Gemelo. Ela vai ser a próxima grande estrela do pop latino, pode anotar aí.
Kaê Guajajara — Zahytata. A maranhense faz um pop indígena de alta qualidade e está pronta para subir de patamar na cena brasileira.
Dina Ögon — Orion. O grupo sueco tem um som surpreendentemente ensolarado. É uma vibe, como dizem os jovens.
vi por aí
Ri muito com a série Derry Girls (Netflix). O único defeito dela é acabar muito cedo. O primeiro episódio, completamente caótico, já dá uma boa ideia do que esperar. Mas, conforme a história avança, percebe-se também o período tenso que a trama aborda.
Quem também me fez rir foi a Michelli Provensi com o livro Marinheira de Açude. A autora une um espírito jocoso a uma escrita cristalina para causar boas gargalhadas.
Uma emoção diferente foi escutar o podcast Expresso Ilustrada sobre a história do grupo Fundo de Quintal. Esse foi um dos momentos-chave para a música brasileira, conciliando muita gente talentosa e invenções técnicas que permitiram a evolução do samba.
Para fechar 2024, vou pular sete ondas pedindo que Júlia Grilo escreva e publique mais. Ela tem uma capacidade formidável de descrever a essência dos personagens em frases curtas e, não raro, mordazes. Cães foi uma delícia de ler e estou na expectativa por coisas novas dela.
Divirta-se, fale umas bobeiras de vez em quando e deixe sua curtida para fazer este bobo aqui feliz. Até a próxima!
Um abraço do Chris
a rinha de leitores poderia facilmente se passar no notes do substack. adorei!
A primeira é sensacional! Hahaha